A Guerra Fria acabou há 33 anos. Esse número é muito simbólico, a famosa “idade de Cristo”. Alguns estudiosos também calculam em 33 anos o tempo de uma geração histórica. E embora ultimamente tenha se tornado modinha achar que a cada 10 anos haja “uma nova geração”, isso não é um pensamento acadêmico ou científico, é mais um blablablá de marketing, usado para vender produtos. Y, Z, millenials são todos da mesma geração, moldada após o fim da Guerra Fria e na explosão do consumo globalizado e sem precedentes, por isso só conhecem viver o agora, um tipo de parnasianismo com compras.
Com o fim da Guerra Fria acabou também o medo concreto de uma catástrofe nuclear. Antes, pelo menos um dos maiores blockbusters a cada ano baseava-se nessa ameaça. Atualmente nos acostumamos a ver epidemiologistas dando entrevistas nos diariamente, mas era comum que a cada edição do Fantástico, por exemplo, houvesse uma reportagem com algum renomado médico ou cientista, explicando as consequências, por décadas, de uma explosão nuclear de apenas 1 megaton, como eram as bombas lançadas por Truman em Hiroshima e Nagasaki.
Não era especulação, essas cidades foram experimentos reais dessa barbárie, estudados durante mais de 4 décadas. E, com o fim da Guerra Fria, o alerta também deixou de ser feito. Pelo contrário, os fatos históricos conduziram a um novo tipo de percepção desse tipo de ameaça.
Quando se constata que não haviam “armas de destruição em massa” no Iraque, a mensagem racional que é passada é: “Estão vendo como esse tipo de temor é infundado e ultrapassado? Não existe esse risco, esse medo é “irreal incutido pelos imperialistas.”
Acontece que não é nem uma coisa nem outra, o risco é real e embora possa ser manipulado para justificar guerras por petróleo, ele não pode ser esquecido ou desconhecido.
A geração, que tem 33 anos ou menos, desconhece, ou não tem a noção real desse risco. O Iraque não tinha armas de destruição em massa, mas EUA, Rússia, França e diversos outros países TÊM. Não é nenhum segredo, esses arsenais são de completo conhecimento público. Dá para destruir toda a vida no planeta muitas vezes seguidas, a força dessa hipérbole é clara, mas foi naturalizada e se tornou um significante vazio. O que os EUA, através da OTAN, nessa guerra ‘proxy’ (por procuração) está fazendo, claramente, é empurrar a Rússia para o uso de armas nucleares. E ninguém está apavorado como deveria estar, realmente, com essa possibilidade.
Vejo comentaristas e repórteres (tanto de mídias progressistas quanto comerciais) pronunciarem frases que mencionam esse risco com a mesma naturalidade que mencionariam o risco de um acidente rodoviário. A humanidade perdeu, 33 anos após o fim da Guerra Fria, a compreensão do que significa isso. A ênfase que costuma ser dada aos riscos de uma catástrofe climática é muito maior e mais contundente, mesmo que os danos de uma catástrofe nuclear sejam muito mais graves e avassaladores. Só que estamos há 33 anos sem falar mais sobre isso. Precisamos conversar sobre o Kevin.
Beth Passos
Jornalista