A pobreza incomoda. É fácil defender os pobres em teoria, mas muito mais difícil apoiá-los no concreto. Nossos sentimentos são contraditórios e nos invadem, frequentemente, quando somos confrontados com situações reais de pobreza, e isso tem acontecido com muita frequência em nosso dia a dia. Tenho profunda admiração e respeito pelas pessoas verdadeiramente solidárias e altruístas.
O Cardeal catalão, arcebispo de Barcelona, Juan José Omella, deu uma declaração há dois anos, em Lisboa, que chocou o mundo:
“Quando os bispos são ordenados, uma das perguntas que fazem é ‘queres ser pai dos pobres? ’ Na catedral toda dizem que sim, mas na rua, quando encontram um pobre, dizem ‘deixa-me’. O pobre incomoda. A terra é de todos e é uma injustiça que se passe fome. É uma injustiça que se passe fome quando tantos fazem dietas de emagrecimento”.
O Cardeal Omella foi nomeado pelo Papa Francisco, tem seu apoio e o segue sem reservas. As palavras do padre ferem porque também falam de nós.
Há alguns dias eu estava num lugar fazendo um breve lanche e uma mulher apareceu de mão estendida, cheirava mal. Fiquei assustada, dei cinco reais. Confesso, queria que ela saísse dali logo, que sumisse da minha vista. E quando ela saiu, sumiu meu apetite, me deu um aperto no peito, um nó na garganta, uma enorme vontade de chorar. Me senti um lixo.
O pior foi não ter a certeza de conseguir fazer diferente se alguém igual se materializasse de novo em minha frente.
Quem de nós quer ver indigentes morando perto de nossas casas? Ficamos indignados como as promessas dos bispos que falou o cardeal Omella. Viramos as costas e rezamos, oramos, vamos a igreja para suavizarmos o nosso egoísmo.
Sou privilegiada. Tinha à minha espera uma casa com comida, roupa lavada, cama com lençóis macios, toalhas cheirosas. Agora imaginem viver permanentemente em miséria sentindo um cheiro que já não sabe a que cheira. Sentindo uma fome que há muito passou do limite da fome. Recebendo um tipo de humanidade que não sabe se ainda é humana.
Nossa! Nem consigo mais somatizar tantas dores e necessidades.
Somos toda poeira da mesma ventania, andantes de muitas estradas. Errantes de vários trajetos. Falastrões de pouca coisa. Interpretadores de nada e sobretudo desconhecedores de nossa existência. Somos arquitetos de casas ocas, precisando retocar urgentemente a nossa alma.
Todos somos uma esperança cansada e fazemos apologia a uma bondade adocicada que ainda não nos apropriamos. Do coração à rua, temos uma competência exemplar no quesito palavreado motivacional, mas com práticas cítricas perfeitamente descartáveis. Somos um pouco do nada, acreditando que somos tudo.
O cardeal Omolla tem razão, os pobres incomodam. Muito obrigada aos que trabalham voluntariamente através de instituições, especialmente igrejas. São pessoas anônimas e admiráveis que não devemos nos esquivar de colaborar também de alguma forma.
Beth Passos
Jornalista