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A menina e o palhaço

         Quase registro, logo aqui, que as melhores coisas sempre acontecem nas tardes de Domingo. Em louvor e em homenagem, é por isso que ninguém trabalha e todos partem em busca de lugares e eventos mais aprazíveis, sempre, ou na maioria das vezes, tendo as artes como o centro das atenções. Da arte culinária à música, passando por um bom filme, um bom livro ou uma peça de teatro, e por aí vai.

            Como eu sou do meio, olhando mais fixamente para os acontecimentos ao redor das artes, ainda consigo perceber que os planos bons são os que se renovam para apontar novos caminhos para aqueles que já se realizaram. A tessitura de um livro, ou de uma peça teatral, ou a roteirização de um filme, dentre outros, passam por estágios que se revigoram e se aperfeiçoam. É por isso que a maturidade torna o artista cada vez melhor, porque ele se reinventa e um projeto puxa o outro e o outro engendra aquele outro, que se multiplicam como os filhos e os filhos dos filhos.

            Então, a peça era Os Saltimbancos que, de vez em quando, é reapresentada, para o deleite da geração que está a postos naquele momento. Tudo é sempre uma festa das boas que, de tão boas, chegam a emocionar. E tudo se faz perfeito mas, além da atuação dos artistas, o que encanta sempre a gurizada miúda é a música e aquele ritmo muito próprio que só o Chico Buarque, o autor da peça, sabe fazer.

            E foi exatamente o teatro que me aproximou do Aparecido Gonçalves, um cara bacana cuja saudação que lhe faço passa inevitavelmente pela frase interjectiva:

            – Fala, palhaço!

            Um dia, eu levei o meu mais velho. Passados alguns anos, levei os gêmeos. O primeiro ficou encantado com tudo o que viu. Os outros dois, ainda com seis anos, adoraram a experiência fantástica que é ir ao teatro. Um deles até afirmou que é melhor que ir ao cinema, porque os artistas falam com a gente. Foi só bem mais tarde que eles viram o Circo Tihany e ficaram em júbilo ante a beleza de tudo. Em outras palavras, a arte encanta a partir da mais tenra idade.

            Assistimos A menina e o palhaço. Como dizem os modernos, tudo de bom. Um único sexagenário estava na plateia, eu. Isto porque sou um aficionado pelas artes e vejo-as enquanto propulsoras do desenvolvimento social e individual. Lá do meu lugar, fiquei pensando no que um dia disse Platão, o filósofo grego. Para ele, a cultura – o sentido amplo da arte – é como um gigantesco farol que se coloca em pontos estratégicos de forma a iluminar os caminhos da humanidade. Por isso, o teatro da Grécia, iniciado por Téspis, ou o teatro espanhol de Calderón de La Barca, ou o teatro inglês, de Shakespeare, iluminam tudo o que se produz até os dias de hoje e doravante.

            Por isso, a apresentação de uma peça teatral, ou literária, dentre outras, é sempre um ato político, porque aglutina, congrega, une e faz pensar em soluções para os dilemas do mundo. É encantador. É fantástico.

            Pois bem. Ao longo, talvez, das últimas quatro décadas, tenho visto o vai-e-vem desse moço que trouxe do berço a alma de palhaço. Melhor é que a esposa e os filhos foram atraídos e também compõem uma troupe que ainda arrebatará muitas outras gerações. Como a perfeição, ou a quase perfeição, mora nos detalhes, fico aqui, com os meus botões de osso, matutando sobre esses muitos abnegados que vivem a aventura que é fazer arte no Acre. Como eu os admiro. Como eles são admiravelmente teimosos.

            São fatores tais que fizeram em mim as emoções quase transbordar pelos olhos. Fiquei extasiado com a participação da plateia, notadamente, aquela composta por pessoas que vão dos três ou quatro aos oito ou dez anos de idade; justamente este o período em que o amor pelas artes começa a vicejar no humano.

            Magico, então, foi quando a Menina fez uma pergunta para a plateia animadíssima:

            – O que é que vocês acham de mim?

            Do meio da galerinha, depois de um tempo razoável, um garotinho de uns seis anos gritou:

            – Espetacular!

            Na mesma hora, eu falei para os meus menininhos de dezoito anos: esse guri um dia vai escrever uma peça de teatro.

            E pensei mais. Imaginei sobre o quanto o teatro incentiva a leitura e o quanto a leitura liberta, inclusive, das forças manipuladoras que tendem sempre a enganar os menos informados… Teatro é informação das melhores.

            Mais feliz ainda fiquei com os aplausos demorados e de pé. Como isso é reconfortante para quem atua. Como me deixa rejubilado saber que tudo isso vem da força de vontade de gente anônima que quer, por fina força, fazer com que mensagens engrandecedoras cheguem aos que assistem e aplaudem.

            Em verdade, estou feliz em ver, mais uma vez, a menina e o palhaço – a Marília e o Aparecido, mais conhecido como Dinho Gonçalves – atuando, juntos, lindos, talentosos, ao lado de uma família coesa, forte e imbuída dos melhores propósitos que dignificam e engrandecem as artes dramáticas.      Parabéns, meus queridos amigos.

            E viva o teatro.

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