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A boa sorte

A noite foi dividida entre uma porção de sonhos curtinhos e o maior sobre o qual pensou durante toda a semana. Pelo menos era assim que Dani lembrava. Dos curtinhos, o que escolheu contar  foi o da estação de trem. É certo que ela começara A Boa Sorte de Rosa Montero há poucos dias, e que a cena do homem que abandona os compromissos e desembarca numa cidade desconhecida a atravessou – talvez mais do que imagina -, mas ela não chegou a fazer essa conexão. Parecia um pouco com a abertura de Senhora do Destino, lembram? Só que mais bem-feito e sem a trilha. Muitas pessoas andando em direções variadas, ela lá parada, como se não soubesse nem onde estava nem para onde iria.

Dani vinha encontrando Leo há alguns meses, e embora ele desse todos os sinais de que queria embarcar com ela, não deixava de se perguntar com frequência se estavam mesmo juntos. Na primeira noite em que se viram, meses depois dos emojis trocados no instagram, ele disse, disse mesmo, que estava envolvido, que queria se envolver mais. Ela também queria. Não houve um único dia, depois do dito que encontrou portas fechadas no ouvido de Dani, em que Leo deixou de escrever, contar de si, arrumar oportunidades para vê-la, fazer planos. Ela achava lindo, mas achava também que essa era a última mensagem, que amanhã ele sumiria e que melhor não se apegar.

O sonho se deu na casa dele. Depois de jurar pra si que não conseguiria se entregar ao sono, dormiu feito um bebê. Era uma cena simples. Passaria por uma porta, e ao tentar abrí-la, ouve de alguém que estava com ela que não precisa se preocupar, eu abro pra você. A pessoa lhe abraça pela cintura e a porta assume a posição horizontal. Eles então voam deitados sobre ela como o Aladim no tapete durante horas. Dani me descreve a primeira sensação da queda de uma montanha-russa, mas uma sensação longa e, diferente da que se experimenta diante do abismo, acompanhada de uma segurança quentinha, da certeza de pouso seguro.

Dani não se chama Dani, claro, e me autorizou a trazer o sonho para cá. Trouxe pra pensarmos juntos o desejo. Neste caso, o desejo de que um outro nos dê segurança na nossa própria entrega. Que proteção é essa que desejamos tanto? Gosto de pensar na montagem de Dani ao narrar o sonho e na escolha dos elementos que usa para contar dele. Queda, montanha-russa, abismo são palavras que dão conta da insegurança, da falta de garantias. É justamente essa falta de garantias que as faz ser o que são. O sonho pode ser um convite ao mergulho, mas pode ser também a notícia de que ela já mergulhou. O tapete por mais que tenha se transformado em porta, não é avião fechado, nem trem conectado a trilho, porque não há certezas. O tapete é solto. Como são soltas as escolhas. Talvez o quentinho venha daí, do soltar-se. Boa semana queridos e boa sorte aos que não embarcam.

 

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