Eu tenho um vizinho que fuma. Não sei nem o andar nem o bloco. Mas sei que fuma. Todas as vezes que cruzei o portão, que passei pela mesinha de ferro verde no térreo do prédio, o vizinho estava lá sentado, fumando. Mentira. Eu tenho um vizinho que fuma. Mas também tenho uma vizinha que desce os cachorros para almoçar ao ar livre. Todas as vezes que cruzei o portão, que passei pela mesinha de ferro verde no térreo do prédio, ou o vizinho fumante ou a vizinha cachorreira, ocupavam a cadeira, todo mundo pra lá dos 90. Nunca sentei para esperar um táxi ou um entregador. Sempre em pé, conversando com um ou com o outro.
Há dias não os vejo. Sinto saudades. Primeiro foi Lalá, minha mais velha, uma dorzinha na garganta, um desânimo, um frio misturado com calor. Fizemos o teste, nada. No mesmo dia, à noite, a Sofi, minha mais nova, uma dor no ouvido, uma falta de fome, uma tosse. Fizemos o teste, tudo. Positivo. Ficamos em casa, as três. Sofi com o quarto, Lalá e eu com sala, cozinha e afins. Todo mundo de máscara por dentro do apartamento, álcool e tal, mas… Na mesma velocidade em que uma terminava, a outra começava. No fim das contas, três covids a mais para as estatísticas.
Muito chato minha gente. Tudo que conquistamos nos últimos meses, perdemos em um segundo. De novo atender de casa, de novo aula online, de novo não ver a cor da rua, de novo o dia todo de chinelo e meia, de novo a sensação de que nunca mais nada volta ao que era antes.
Volta sim, eles disseram. Ontem foi nosso último dia de isolamento. As meninas foram para a casa do pai que pulou uma semana da guarda compartilhada em uma tentativa nossa de poupá-lo do exame positivo. E eu, meio fraquinha ainda pra bater perna, comemorei pedindo um docinho que amo de jantar. Fui buscar de elevador, na segurança do meu resultado já negativo. Lá, o bilhete de convocação de reunião listava as pautas do mês. Na metadinha dos itens, dois me puseram com um nó na garganta: 7- Proibição de cigarro nas áreas comuns do edifício; 8- Discussão sobre a circulação e permanência dos pets nas áreas comuns do edifício. Errado não está.
Conto aqui de uma Covid pós-vacina, zero complicação. Mas não é dela que conto. É da luta contínua pela manutenção das conquistas. É do relembrar a experiência que vivemos há pouco. É da marca que está registrada em nós. Do medo de perder o que tínhamos, do medo de perder os nossos. Há de movimentar esse medo, brigar com ele, falar sobre ele. A reunião é quarta, eu vou. E, se depender de mim, a discussão vai circular, se depender de mim, a cadeira do térreo seguirá ocupada. Se cuidem, queridos. Boa semana.