Para Sarah Vitória, de 19 anos, mãe do pequeno Enzo Miguel Freitas de Souza, de 2 anos e oito meses, que faleceu no dia 3 deste mês, vítima da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), e mais 9 mães, que perderam seus filhos em decorrência da mesma enfermidade, o cronograma da vida seguiu um rumo diferente nos últimos dois meses. O que se estabeleceu em preceitos bíblicos, o que se definiu com a ordem natural da vida, onde os filhos devem sepultar seus pais, e não ao contrário, foi “quebrado”, causando dor e sofrimento, que lentamente vai se transformando em saudade.
Ao site A GAZETA, a jovem mãe relatou os momentos de angústia que viveu, e de tudo que ocorreu com Enzo, até que o pior acontecesse.
“No dia 30 de maio o meu filho apresentou um cansaço diferente, pensávamos que era gripe. No dia 31 levei ele a Upa, pois já estava ‘pegando’ muita febre, reclamando de dor abdominal. Chegando ao hospital, a médica, a clínica-geral, não fez escuta pulmonar nele, e disse apenas que Enzo estava com verme (parasitose intestinal), receitou um xarope, e mandou a gente ir para casa. Ela não examinou o meu filho, não encostou nele, somente olhou”.
Mas, apesar do diagnostico inicial, na realidade, Enzo Miguel estava com um grave quadro de pneumonia.
“No dia seguinte, levamos ele ao posto de Saúde para fazer o exame de sangue, mas iria demorar para chegar o resultado. No dia 2 de junho ele começou a piorar, foi quando levamos o Miguel ao Pronto-Socorro. Lá, fizeram a coletagem dos exames, e foi diagnosticado que ele estava com pneumonia, que evoluiu para bactéria sepse grave no sangue (infecção generalizada), e não verme, como a médica havia diagnosticado. A médica do PS disse que, se a primeira profissional tivesse feito a escuta pulmonar do Enzo, poderia constatar que ele estava com uma pneumonia muito grave, e poderia estar aqui com a gente, vivo e saudável”.
Ainda segundo a mãe, faltaram equipamentos médicos na rede pública, para atender Miguel.
“Quando meu filho chegou ao PS, quando ele foi levado para a máquina de oxigênio, ele teve que ser transferido três vezes, atrás de uma máquina de oxigênio que estivesse funcionando no hospital, porém, nenhuma estava funcionando. Os médicos corriam desesperados com ele pelos corredores do hospital atrás de um equipamento que pudesse ser utilizado nele. Quando encontraram, quando foi para entubar o Miguel, foi na sala de emergência, e não na UTI. Só colocaram uma cortina para as outras crianças não verem aquela cena, foi tudo improvisado. Nessa hora, ele já estava sem saturação, sem oxigênio no cérebro. Ele teve uma parada cardíaca, e não resistiu.
Ministério Público e CRM apuram
Diante das mortes de crianças e do aumento no número de casos de síndrome respiratória, o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) informou que está acompanhando a disponibilidade de leitos de pediatria, medicamentos e insumos da rede pública estadual, destinados ao atendimento de crianças acometidas de vírus respiratórios.
“Vamos apurar se houve omissão no atendimento às crianças que, infelizmente, morreram, e estamos à disposição das famílias. No início da semana, cobramos a realização de uma campanha para alertar a população. Estamos experimentando um aumento de internações e, com isso, deve ser avaliada a possibilidade de reativar os leitos disponíveis no Into. Em breve, realizaremos outra inspeção, juntamente com nossa equipe técnica, para aferir a ocupação dos leitos e a regularidade do atendimento”, ressaltou o promotor Ocimar Sales, da 1ª Promotoria de Justiça Especializada de Defesa da Saúde.
Já o Conselho Regional de Medicina do Acre (CRM-AC) informou que, diante das denúncias de problemas no setor de pediatria do Pronto-Socorro de Rio Branco, realizou uma fiscalização no último dia 10 na unidade, que é a maior referência para atendimento de urgência e emergência do Estado.
Uma das principais irregularidades encontradas, segundo o CRM, foi com relação ao local de atendimento da pediatria, que não há um consultório e, por isso, as crianças são atendidas no corredor da unidade.
“O setor de pediatria do HUERB está em um espaço improvisado, inadequado para o que se propõe. O hospital passou por diversas reformas e ampliações ao longo dos últimos anos, mas a pediatria nunca foi contemplada. Esperamos sensibilizar a Sesacre da necessidade de melhorias amplas e urgentes”, relatou o conselheiro diretor do CRM, Dr. Virgilio Prado.
Um relatório com os problemas detectados será elaborado pelo CRM e enviado, de maneira emergencial, à Secretaria Estadual de Saúde para que as devidas providências sejam tomadas.
Governo cria comitê
Na quarta-feira, 15, o governo do Acre oficializou, por meio de Decreto publicado no Diário Oficial do Estado (DOE), a criação do Comitê de Acompanhamento Especial das Síndromes Respiratórias Pediátricas – CAERP.
Conforme o decreto, o Monitoramento Mensal realizado pelo Núcleo Hospitalar de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde observou que durante os meses de abril e maio de 2022 a maioria dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) foi de crianças, além disso, o Resumo do Boletim InfoGripe – Semana Epidemiológica (SE) 22 2022 concluiu que os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em crianças de zero a quatro anos se mantém em patamar elevado.
Agora, o Caerp terá como missão estudar a origem dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em crianças; acompanhar a evolução dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) neste público, além de propor ao Governador do Estado a tomada de decisões relativas ao enfrentamento dos casos de SRAG em crianças.
Quanto a estrutura de atendimento, o governo do Acre informou que o Hospital da Criança (HC) – que nesta semana passou a funcionar nas dependências do Instituto de Traumatologia e Ortopedia do Acre (Into-AC) – aumentou a quantidade de leitos pediátricos de 61 para 90, podendo ser expandidos em caso de necessidade. Já o Pronto-Socorro ampliou de 8 para 35.
Mães se unem em ação coletiva
As medidas, no entanto, chegaram tarde para as mães que perderam seus filhos. Por isso, Sarah ressalta que elas irão se unir em ação coletiva na Justiça contra o Estado.
“Vamos entrar com uma ação coletiva contra o Estado. A Joelma, mãe do Théo, agendou uma reunião com cinco advogados que vão defender nossa causa. Nós, da família, vamos acionar a médica que atendeu o Enzo, já fizemos um boletim de ocorrência na delegacia. A dor nunca vai passar, temos que ser fortes! Transformaremos o nosso luto em luta. Queremos justiça, para que outras mães não passem o que eu, e as outras nove mães estão passando. Não sei nem explicar essa dor que estou sentido”, desabafou Sarah.