Bethânia vai fazer show em São Paulo agora em Agosto. Lá em casa, ela é Beta. Quando eu digo pras meninas que estou ouvindo um negócio lindo, que descobri, que reencontrei, que isso me lembrou aquela música, ou qualquer coisa que introduza um play no spotify, elas já respondem na galhofada: pois bote Beta, bote. Mas não comprei não. Achei caro. Não caro para o show, caro pra mim. Na mesma semana, desavisada deste, eu tinha feito uma loucurinha pra ver “A última sessão de música” do Milton Nascimento.
Lalá estranhou minha negativa. Não, mãe, tu tem que ir. Bora lá atrás, última fileirinha. Estranhou e já se colocou no programa. Compramos a mais baratinha de todas e desde então ouço o setlist. Porque show é que nem viagem, a gente começa a aproveitar do dia que inventa de ir. Das músicas todas – e que seleção danada de boa – a que mais me pegou foi Balada da Gisberta de Pedro Abrunhosa.
Uma analisanda a mencionou uma vez em sessão. Tinha visto na internete Bethânia e Liniker cantarem a música juntas. Era meio de ano de 2019. Ela vinha de uma queda das grande, trabalhávamos o rescaldo do que ela chamava de fundo do poço. Foi num fôlego de reconstrução, na sensação de que havia um depois, que ela cantou do divã os versos que seguem. “Trouxe pouco/Levo menos/A distância até ao fundo é tão pequena/No fundo, é tão pequena/A queda/E o amor é tão longe”. “É longe porque pode ir longe, adiante do fim, tu entende, Rô? Da queda a gente dá conta” Entendo.
Ela era a última do dia. Ainda bem. Eu fiquei comovida e voltei pra casa com o olho inchado. Porque também gosto muito dessa música e, como ela, fiz a minha própria interpretação da letra. Mas no primeiro google que dei, descobri que Balada de Gisberta foi escrita para homenagear Gisberta, assassinada brutalmente em Portugal no ano de 2006. Um grupo de 14 jovens, entre 12 e 16 anos, violentou e torturou a brasileira para depois jogá-la ainda com vida em um poço. Nunca mais fui capaz de ouví-la. Até a notícia do show. A arte é assim, não é? Pega cada um no que há de mais singular, pega quando pode, refaz sentidos.
No primeiro dia das férias, vi Liniker cantar em Recife. Quando ela entrou no palco, lembrei de Gisberta e de minha analisanda. Larinha estava comigo, estavam também a minha irmã, minha sobrinha e um teatro lotado que se levantou já na primeira música para não voltar a sentar. Cantaram uma a uma todas elas, em alguns momentos aos gritos. Em uma das pausas, do palco, vestida de brilho, como eu a vejo, Liniker disse de si, das descobertas que fez trabalhando no último disco. Fiquei pensando nas descobertas que tornou possível a alguns dos que estavam ali a partir do seu trabalho. Fazer e refazer sentidos é do singular, mas é também do coletivo. Da última ou da primeira fileirinha, do teatro ou do spotify, há de se deixar tocar. Meu respeito a Bethânia, Liniker, Pedro e Gisberta. Boa semana, queridos.