Ju: “Sabe o que é? É que eu tenho tanto medo. Medo de respirar a cera quente quando depilo o nariz. Tenho medo entupir as vias aéreas, petrificar o pulmão. Ser encontrada já sem vida, de coque e roupão no banheiro, ouvindo Legião Urbana, com dois palitos enfiados nas ventas. Daniel não. Daniel já fez cera, luz e laser. Depila até a alma, um golfinho quase.”
Daniel: “Sabe o que é? É que eu tenho tanto medo. Medo de esquecer de conectar os fones no celular e revelar para todos da academia, do metrô ou do supermercado minhas playlists condenáveis. Medo de deixar escapar um refrão quando a endorfina bate, quando a estação chega ou quando o leite condensado está em promoção. Carina não. Carina leva a caixinha de som pra praia. Acha que faz favor ao mundo quando disponibiliza sua curadoria musical no último volume.”
Carina: “Sabe o que é? É que eu tenho tanto medo. Medo de entrar no mar e precisar ser resgatada com a peneirinha do helicóptero, deixada na areia pelos bombeiros morta de frio, desnorteada como um gato que caiu por engano na banheira, ouvir os aplausos do povo de biquíni e sair no jornal da tarde e da noite como notícia. Ceci não. Ceci leva touca e óculos de natação, entra correndo, mergulha furando a onda, nada, mexe uns músculos das costas que eu nem devo ter.”
Ceci: “Sabe o que é? É que eu tenho tanto medo. Medo de fechar a porta do quarto e deixar os gatos pra fora. Medo deles se sentirem abandonados, medo de me arrepender e experimentar a frieza que só os gatos que se sentem abandonados sabem entregar a um humano insensível. Guila não. Guila tem dois angoras em casa e só usa preto. Nunca vi um pelinho na roupa, no sofá, ou nos lençóis. Mesmo sem disponibilizar um único abraço é tratado como rei por mingau e panqueca.”
Guila: “Sabe o que é? É que eu tenho tanto medo. Medo de comer carboidrato e inchar feito um balão de gás. Medo de saltar do manequim 40 para o 94. E se não existir 94, de não ter roupa pra trabalhar. E se não tiver roupa pra trabalhar, perder o emprego. E se não tiver emprego, ser despejado do apartamento. E acabar sem casa, sem trabalho e pelado no meio da rua. Joca não. Joca faz pão, macarrão e pizza. Joca fala do bolinho de arroz de não sei onde e da patola de caranguejo de Recife como quem fala de um grande amor.”
Joca: “Sabe o que é? É que eu tenho tanto medo. Medo da Ju sair de casa com pressa, acabar no aeroporto, e mudar para Sibéria, por engano, amanhã de manhã. Medo dela conhecer um poeta poliglota na sala de embarque e passar o resto da vida dividindo com ele borschts no almoço. E nem sei o que são borschts, acabei de dar um google, mas devem ser deliciosos. Medo do poeta ter um nariz mais bonito que o meu, ouvir músicas melhores, ganhar todos os campeonatos de triathlon de Novosibirsk e nunca ser abandonado”