Na recepção esperam sem conseguir sentar Jorge e Eulália, pais de Diego. Mais em pé do que eles está a dupla de seguranças. Um ao alcance de um possível ataque – que nunca aconteceu – e o outro fazendo abrir e fechar a porta automática do pronto atendimento. Ambos com fones minúsculos nos ouvidos, paletós escuros e as testas marcadas como são as dos que vivem em estado de alerta. O barulho das ambulâncias, leva as sapatilhas de Eulália até a porta numa carreirinha que teria feito seu personal sentir orgulho. Jorge a acompanha a passos lentos, com as duas mãos na cabeça. “Vai viver, não vai?”, ele pergunta ao moço do SAMU que, naturalmente, não responde. Mãe e pai acompanham o filho nos corredores do hospital até onde lhes é permitido – mais do que seria permitido a mim ou a você, não tenha dúvidas. O primeiro segurança colado neles. O outro obedecendo às ordens de Eulália de “acompanhar a minha nora”. Foi para Eulália, último número discado do telefone de Diego, que o enfermeiro do Samu ligou com a notícia. “Estamos socorrendo um rapaz que sofreu um acidente. Está com vida sim. Não posso me alongar, senhora. A princípio, fratura no quadril e traumatismo craniano. Para o Sírio-Libanês? Certo. E a namorada? Ok, a caminho”.
Embora a cena não permita nem uma nesga de alegria, 3 milímetros, no máximo, do coração de Eulália se deixam aquecer com a palavra; namorada. Diego nunca havia apresentado uma namorada. Mas bem que andava mais bonito, os olhinhos rasgados brilhando, mais fugido da casa de São Paulo, até da fazenda, mochila nas costas toda sexta, sem dizer nem pra onde, nem de onde. Ela teria pensado assim mesmo se não estivesse vivendo a angústia que separa uma mãe de seu filho acidentado.
Diego vai direto pra cirurgia. Trauma cranioencefálico e fratura do colo femoral e, de lá, para a UTI. Malu acorda ainda na ambulância. Ouve em silêncio o texto do médico para o enfermeiro, desgostosos os dois, tanto um com o outro quanto com o passeio. “Não tinha que ter ligado nada. O certo era levar os cocotas para o Hospital das Clínicas como todo mundo. A família que transferisse”. “Para mano! Se dá pra ligar, tem que ligar. E depois, acho que o cara já chega apagado. A transferência ali vai ser outra”.
Da cama do hospital, perna pendurada na atadura, um ou dois dentes a menos, ainda não tinha certeza, Malu sorri de canto – inchado – da boca relendo a manchete do UOL: casal de herdeiros é atropelado por ônibus da própria companhia em São Paulo. Casal. Como ela se imaginava com Diego desde a primeira adução de quadril que fizeram juntos. Herdeiros. Como nunca tinha lhe passado pela cabeça. De uma companhia de ônibus. Ela que se via para sempre tão passageira, herdeira da coisa toda. Já pensasse?
Uma batida que não espera resposta, Eulália e Dindinha, madrinha de Diego, entram no quarto com as olheiras que cultivam desde sexta à noite. Malu fecha o olho. As notícias são cada vez menos frequentes, o quadro demora a evoluir, e é de lá, da suíte com terraço, cenário da recuperação de Malu, que a família aguarda os horários de visita da UTI e os boletins médicos. Continua na próxima semana.