Dindinha lamenta os cabelos pretos de Diego, raspados na cirurgia. Guardou uma mechinha pra Malu, é o que gostaria que fizessem se fosse ela a namorada. As duas senhoras repercutem o acidente e os riscos da fratura de colo femoral. “Me assusto, Dindinha. Dá um google aí”. “Melhor não Eulália”. “Vai”. Interrupção de fornecimento de sangue para a cabeça femoral, fazendo com que o osso entre em colapso e desenvolva uma necrose, atrofia de músculo, redução da forma física. E choram. “Aquele físico, Dindinha. O físico do meu menino”. Dindinha continua: coágulos de sangue que podem obstruir as veias da perna – trombose venosa, coágulos de sangue que se deslocam e atingem os pulmões – embolia pulmonar. Não é masoquismo não. É um truque pra não pensar nas sequelas do trauma cranioencefálico, essas sim mais prováveis e preocupantes.
“Meu amor, a gente está te enchendo a cabeça”, Eulália escapa do google de Dindinha, e lembra da presença de Malu como quem morde um sonho de valsa, uma doçura compensatória. “Você tá precisando de alguma coisa? Quer que eu arrume o travesseiro? Gostou desse lençol? Nunca pede nada”. Silêncio e olhos fechados. Malu sente medo de dizer qualquer coisa que ponha em dúvida a sua condição de namorada, se envergonha e se entristesse por nunca ter dado sequer um beijo em Diego. E sofre com a possibilidade da perda do que e de quem nunca chegou a ter.
Mais uma batida que não espera resposta e entram na suíte cirurgião ortopedista e neurocirurgião. “Acordou? Graças a Deus”, é o que escutam das mulheres. “É como eu expliquei para as senhoras, a gente precisa aguardar. Ele não acordou, os sinais vitais permanecem estáveis, mas…”. “Com a graça de Santa Teresinha ele volta sim Dr., vi uma rosa amarela no jardim do hospital. O sr. sabe o que significa isso?”, Eulália interrompe. Ambos fazem que não com a cabeça, no sorriso e na paciência dos que cobram por hora. “O quarto está como ele deixou, sabe? Não admiti que mexessem em nada. A mochila na cadeira da biblioteca, um livro aberto em cima da cama, até o copo de água segue na mesa”. De um lado: “Mas e se ele acordar agora? Tem alguém lá? Quantos por cento de chance? E o cabelinho, cresce em quanto tempo? Vai lembrar de mim?”. Do outro: “acho improvável. Há sempre uma equipe especializada na UTI. Difícil precisar. Crescer, cresce. Vamos dar tempo ao tempo”. Dos dois: “até logo, seja o que Deus quiser, obrigada, de nada”.
Malu se dá conta da oportunidade, pois que sobejo é quase beijo, lembra? “Dona Eulália, posso pedir uma coisa”, quebra o silêncio. “Claro meu amor”. “A senhora manda buscar esse copo?”