Beatriz. Displasia da tróclea femoral, hipoplasia da faceta medial, báscula e condropatia acentuada da patela, obliteração infrapatelar, derrame articular com corpos livres e, a pá de cal, alteração degenerativa do menisco medial, com roturas. Laudo: pode jogar joelhos fora, os dois. Sete de dez sessões, e não, fisioterapia não ajeita o que não tem jeito. Mas se o ortopedista manda e se o plano paga, Malu atende. Seria a última não fosse o encaixe. Thomaz, tendinite do manguito rotador. Travado e desencaixado. Mas tem encaixe pra Thomaz, particular sem recibo, a qualquer dia, a qualquer hora, por motivo de rotativo do cartão – esse sim rodando sem problema nenhum. Cada um numa baia, e ela de uma pra outra. Para Beatriz deixou a sugestão de voltar ao ortopedista mesmo antes de finalizar o pacote. “Seria interessante renovar sim, Bia, mas veja lá se faz sentido pra você”. Para Thomaz, ultrassom terapêutico e crioterapia, 45 minutos, 3 vezes por semanas, 24 sessões, pelo menos. Ficaram de pensar.
Malu, apagou a luz da sala assim que ouviu o plim do elevador levando os dois pensativos para o térreo. O cansaço e a preguiça deram graças quando lembrou que a que Jota Jotas da Angélica fecha às 19h; abortado o plano de comprar mais um jogo de copos. Malu tem horror dos descartáveis, mas tem mais horror ainda de esponja e detergente. Faz mais de um mês que vira os já babados na bandeja do carrinho de café. Só veem espuma as quartas quando tem faxina, vez ou outra passa uma aguinha no fim do dia, e seja o que Deus quiser. Nunca se preocupou com contaminação, elá no íntimo, pensa que os pacientes merecem se sujar um com o outro. Não é de sobejo que chamam a baba que sobra no copo? Pois que sobejo é quase beijo. E ela fantasia os possíveis pares enquanto conta as repetições. “Só mais três, dois, um, pronto”.
Deles todos, o único que não pareou com ninguém foi Diego, quadril esportivo, para ele sempre tinha copo limpo na recepção. Nem completou as dez sessões e agora frequenta o osteopata aqui do centro médico. Hoje é dia de Diego no consultório vizinho e, se Thomaz não tivesse parado pra tomar água na saída, era capaz de ter encontrado o moço na portaria. A essa hora já deve ter entrado. Foi por causa de Diego que entrou na pós de osteopatia. E por causa da pós que anda amarrada no cartão.
Cruzou o moço na faixa de pedestres. Ela – corrida, tirando a bata que esqueceu sobre o vestido, atrás do ônibus que já se aproximava do outro lado da avenida – viu. Ele – de banho recém-tomado, atrasado mas sem pressa, seguro no seu quadril já quase pronto para alta – não. Ainda assim, foi juntos que fizeram um ventinho quando passaram um pelo outro. Um ventinho com cheiro do sabonete caro de Diego e de ansiedade apaixonada de Malu. Tão bom. Ela guardaria essa coleção de ar pra toda vida se não tivesse sentido um outro vento, bem mais forte e resolvido, jogar bata, vestido, cabelos, banho e quadril metros à frente do encontro.
“O ônibus pegou o casal”, gritavam no meio da rua. E foi com status de casal que chegaram juntos e desacordados à emergência. Continua na próxima semana.
Da cama do hospital, perna pendurada na atadura, dois ou três dentes a menos, ainda não tinha certeza, fulana sorri do canto inchado da boca relendo a manchete. Motociclistas agem em dupla para assaltar casal em pinheiros
Continua na semana que vem…