Terça, 6h35 – Você passa o raio x da bagagem já ouvindo o próprio nome soar no alto falante do aeroporto. Última chamada para embarque no portão 9. Você gosta do que ouve, toma por convite. Corre incompetente e receptiva. Vê no reflexo da vitrine da Casa do Pão de Queijo uma bochecha risonha e ainda vincada pelas marcas do travesseiro.
Terça, 9h15 – Uma hora de voo e uma de carro depois, você resolve parar na floricultura. É feio chegar na cidade dos outros de mão abanando. No balcão, um homem de uns 70 responde que sim, as flores são para entrega. E quem recebe?, pergunta a vendedora. Eu moro aqui há 45 anos, quem recebe é a primeira pessoa que me fez ter vontade de entrar nessa loja.
Quarta, 19h45 – Você pedala em uma orla onde nunca esteve e para onde provavelmente não voltará. No fone, Bethânia canta Dindi, você até olha pra tudo, mas a música é tão linda. À sua frente uma reta comprida, pensa em fechar o olho, fecharia se os carros não passassem tão pertinho e na direção contrária. Será? Arrisca. Abre com a buzina. Que susto. Você não existe, Dindi.
Quinta, 15h – Você está embalada nas histórias do motorista. Ele, “trajado a gaúcho”, entra numa casa de samba em São Paulo, facão na cintura e tudo. Ele se apaixona pela juíza que conheceu na fila do pronto socorro, seis meses pra dar o primeiro beijo na testa. Ele assa uma costela de chão em um casamento cigano em Goiás. Ele se despede da filha que foi morar fora fingindo força. Faz dez anos que não se encontram. Ele nunca viu as netas, mas a menorzinha, num português com sotaque, se derrete quando diz “vouvou”.
Sexta, 21h40 – Você tenta lavar o cabelo no banho, mas repete movimentos pouco eficazes enquanto observa uma aranha gordinha no vidro do box. Suas filhas lhe ensinaram que aranhas são gordinhas quando cheias de micro aranhas bebês na barriga. Não tente esmagar aranhas gordinhas, elas disseram. Você escuta um pipoco, dá um gritinho fino. É um curto circuito. Todas as luzes do hotel se apagam. Você está molhada, com frio e no escuro. E a aranha?
Sábado, 20h – Você está em casa. É o tempo de deixar a mala para chegar numa festa que tinha começado à tarde. De umas três quadras antes do prédio se escuta a música. No apartamento faz calor, você deixa o casaco na primeira cadeira que encontra, dança até ficar contente. Percebe, pela escolha do DJ, que a festa está perto de acabar, alcança o casaco, chama o táxi. No carro, você tenta enfiar as mãos no bolso, mas não consegue. Você ri da dificuldade recém adquirida. Amanhã resgata o tesourinho que tinha guardado lá. Você ainda não sabe, mas esse casaco não é o seu. A dona dele, o de bolsos costurados, ainda não sabe, mas já já, nesse frio, assim quase que por instinto, vai proteger as mãos nos seus bolsos. Que sorte a dela.