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É possível explorar de forma sustentável o mogno (Swietenia macrophylla King) na Amazônia?

(Parte 1)

Por Quétila Barros* e Evandro Ferreira**

O mogno (Swietenia macrophylla King) é uma espécie madeireira nativa das Américas, originalmente distribuída desde o México, passando pela América Central, norte da América do Sul, até o limite da floresta amazônica no Brasil (Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins), Bolívia e Peru.

Sua madeira é a mais valorada no mercado internacional, sendo conhecida como “ouro verde” da Amazônia pelo fato de ser muito durável, com alta resistência ao ataque de cupins e excelente para a confecção de móveis (mesas, cadeiras, camas e outros acessórios).

A cor da madeira do mogno é tão bela e confere aspecto nobre aos móveis elaborados com a mesma que atualmente produtos de acabamento de madeira (verniz) são comercializados com coloração imitando a do mogno.

Com o m³ de sua madeira cotado a U$ 3.300 (cerca de R$ 17.300), o mogno é a espécie madeireira de maior preço no mercado internacional. Esse preço elevado praticamente inviabiliza a sua comercialização no mercado interno, fazendo com que quase 100% do mogno explorado legal e ilegalmente no país seja destinado para a exportação.

Em razão da exploração ilegal alimentada pelo alto valor comercial de sua madeira no mercado internacional, se estima que restam apenas cerca de 20% dos estoques naturais de mogno nas florestas da América do Sul. Em função disso, a distribuição natural da espécie foi bastante afetada. No Brasil populações naturais significativas da mesma são encontradas apenas no Acre, Sudeste do Amazonas e Sul do Pará, em áreas remotas e Unidades de Conservação. Vale ressaltar que mesmo em áreas de conservação, a exploração ilegal da espécie tem ocorrido de forma desenfreada.

Diante dessa situação, uma alternativa à exploração florestal seria a realização de plantios racionais da espécie. Entretanto, a ocorrência da lagarta conhecida como broca-do-mogno (Hypsipyla grandella), que ataca a porção apical de indivíduos jovens da espécie em viveiros e plantios, resulta na bifurcação precoce do tronco e, consequentemente, na inviabilização da exploração comercial da madeira.

Para piorar a situação, em áreas florestais o mogno ocorre em baixas densidades populacionais (menos de um indivíduo/hectare). Para comparar, a maçaranduba (Manilkara elata), uma espécie madeireira muito comercializada, apresenta densidade natural média acima de 5 indivíduos/hectare.

Em 2015, a ameaça de extinção da espécie na natureza fez com que o mogno fosse incluído na “lista vermelha” de espécies ameaçadas de extinção pela União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais – IUCN. Alguns anos antes, em 2008, ele já tinha sido inserido pelo Ministério do Meio Ambiente na lista de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção.

Apesar do reconhecido risco de extinção, legislação brasileira em vigor desde 2015 permite a aprovação de planos de manejo e exploração florestal sustentável do mogno na Amazônia desde que se mantenha um mínimo de 15% de indivíduos da espécie a cada 100 hectares de floresta explorada.

A exploração manejada e sustentável de espécies madeireiras na Amazônia implica na realização de múltiplos ciclos de corte de indivíduos adultos das espécies exploradas. Entretanto, a sustentabilidade dessa atividade, ou seja, a reposição do estoque dos indivíduos adultos que são retirados durante a exploração, depende do crescimento com sucesso das plantas mais jovens deixadas na floresta por ocasião da retirada das plantas adultas.

Obviamente que esses indivíduos jovens são originários da regeneração natural oriunda da germinação de sementes produzidas pelos indivíduos adultos existentes na floresta.

No caso do mogno, ainda são pouco conhecidos os distúrbios ocasionados pelas operações de manejo (derrubada de árvores, transporte de toras, abertura de carreadores e esplanadas) na regeneração das populações naturais e, consequentemente, no rendimento futuro da madeira a ser explorada.

Estudos de regeneração natural e genética realizados em populações naturais do mogno indicam um risco real de extinção da mesma, pois a reposição dos indivíduos adultos via germinação, crescimento e sobrevivência de indivíduos jovens, não vem ocorrendo na mesma proporção da exploração dos adultos.

A dispersão das sementes do mogno, embora feita pelo vento (anemocórica), tem curto alcance pelo alto peso das sementes. Com isso, as maiores concentrações de plântulas da espécie na floresta são observadas no entorno das plantas-mãe, em um raio que dificilmente ultrapassa 80 metros.

A dispersão de curto alcance, juntamente com a maior germinação de sementes próximas às plantas-mãe acarreta um outro problema conhecido como “efeito Janzen-Connell”. Nessa situação, a competição natural em torno das plantas-mãe é maior visto que o crescimento das plântulas germinadas é prejudicado pelo sombreamento e competição por água e nutrientes.

Vale ressaltar que a luminosidade, embora não seja crucial para a germinação das sementes, é primordial para o desenvolvimento das plântulas de mogno. Por isso, a sobrevivência das plântulas no interior da floresta é extremamente baixa e mais elevada em clareiras, onde a iluminação natural é muito superior. Essa baixa probabilidade de sobrevivências das plântulas compromete a manutenção ecológica das populações de mogno nas florestas.

Além disso, já se verificou, mesmo em locais sem histórico de exploração madeireira da espécie, uma perda da diversidade genética em razão da endogamia, ou seja, reprodução entre indivíduos com parentesco genético, reduzindo o potencial de propagação da espécie e afetando a manutenção das populações naturais.

(Artigo continua…)

Para saber mais:

Barros, Q.S.; D’Oliveira, M.V.N.; Oliveira, L.C. 2019. Regeneração natural do mogno (Swietenia macrophylla King) em área manejada na Amazônia Sul-Ocidental. Rio Branco: Embrapa-Acre, Circular Técnica, n.76.

Oliveira, S.S.; Campos, T.; Sebbenn, A.M. D’Oliveira, M.V.N. 2020. Using spatial genetic structure of a population of Swietenia macrophylla King to integrate genetic diversity into management strategies in Southwestern Amazon. Forest Ecology and Management, 464: 118040.

*Pesquisadora Bolsista PCI-DA/MCTI/CNPq/INPA

**Pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC

Evandro Ferreira: Evandro Ferreira é pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre (Ufac). Email: evandroferreira@hotmail.com