“O que eu faço?” é pergunta frequente aqui no consultório. Naturalmente, não é a mim que ela costuma ser direcionada. Embora nem sempre quem a faz perceba o verdadeiro destinatário da dúvida. Pode checar, é o mesmo nome que está escrito dos dois lados do envelope. Há alguns anos, recebi em entrevista um rapaz que além de trazê-la já no primeiro parágrafo, trouxe também a notícia de sua expectativa para as sessões que seguiriam. Mais do que isso, trouxe como condição de trabalho o atendimento da especificidade de suas demandas “e só dessas, quanto à família e passado já estou resolvido”.
“O que eu faço para sustentar um apaixonamento? Tipo, pra sempre?”. E explicava: “Qual é o passo-a-passo para convencer alguém primeiro a estar comigo, depois a querer ficar, a precisar, e por fim, a não conseguir sair”. Não havia um alguém em mente, caso você que me lê tenha ficado na dúvida. E mais, o apaixonamento a ser sustentado era o de quem se apaixonasse por ele, não o dele? Percebe a ausência de si dentro desse roteiro? Isso só pra começar. Um manual que tem por objetivo uma impossibilidade “não conseguir sair”. Que tal?
Lembro, vez por outra, de algumas dessas entrevistas. Me chama a atenção a falta de desejo fantasiada de desejo. Esse moço não voltou para um segundo encontro. Tive pena. Não dele, que decerto investigará em outro tempo, de outra forma, as próprias questões, ou organizará pra si uma maneira de lidar com elas. Mas de mim. Seria bonito acompanhá-lo nas aberturas de sentido, nas complexidades que os verbos sustentar, convencer, querer e prender (no caso do não conseguir sair) são capazes. Seria também tarefa interessante pensar em conjunto esse ‘pra sempre’, a necessidade dele. Fora o aceitar e mais do que isso procurar que alguém esteja com você antes de (ou mesmo sem) querer estar.
Relacionar-se pode ser sobre um tanto de coisas. Passo-a-passo certamente não é uma delas. Hoje cedo, recebi um outro moço em entrevista, ele me contava de um curso que fez na pandemia. Me contava de uma frustração. Era um curso de sedução, um curso que se propunha a ensinar como se trata uma mulher. “Do fulano, conhece?”.
Dessa entrevista também saiu um ‘o que eu faço?’. “O que eu faço pra parar de acreditar nessa ‘uma mulher’, uma mulher só, sabe? Como se fossem todas a mesma?”. Bela pergunta, não é? Como a gente faz pra transformar um ‘o que eu faço’ em um ‘por que faço?’, ‘como faço?’? Aí é que está. Tomara que esse volte. Boa semana, queridos.