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São Longuinho

  • É grave?
  • Olha, é. Trata-se de um soluço psíquico.
  • Oi?
  • Um soluço sentimental, vamos dizer assim.
  • Como é isso?
  • Você sente esperança e medo pularem como que em um soluço. Desses que doem a caixa toráxica. Numa espécie de revezamento quatro por quatro. Quatro segundos de alívio pra quatro de profundo incômodo.

Essa seria eu em consulta de emergência na ambulância do Dr. Saratudo, se não tivesse que acordar hoje às 7h pra atender mesmo portando a enfermidade acima descrita. E mais, se a ambulância não fosse um brinquedo de plástico da década de 80, se houvesse de fato uma em escala – e função – real.

Faz umas duas semanas que passei por um studio de yoga e entrei. Eu não sabia, mas era uma hot yoga. A moça da recepção me explicou em outras palavras, mas dou a real pra vocês. É uma sala cheia de aquecedores e de gente sem camisa pingando, fazendo barulho pra respirar e se contorcendo. “A visão do inferno”, me disse a Lalá quando descrevi a aula teste. “Mas fica todo mundo suado o tempo todo?” Sim. Do primeiro ao último minuto. Eu saio de lá como se tivesse pulado numa piscina, cada milímetro do corpo impactado pela aula. A pergunta da Lalá diz respeito ao suor do outro, lhe pareceu horrível compartilhar essa piscina/estúdio com estranhos. Mas o que me fez voltar e esperar o horário da aula (de domingo a domingo, desde aquele dia) foi o meu próprio suor. Ou melhor foi a constância do suor, do calor, do ritmo da respiração, de qualquer coisa que seja. O saber o que vai acontecer, pelo menos no intervalo da próxima hora.

Quando eu era novinha, meu avô paterno tinha crises longuíssimas de soluço, duravam dias. Lembro de ouvir a preocupação de meu pai em relação a elas e pensar: é exagero. Ninguém consegue soluçar por mais de dez minutos. Bem, eu aqui no meu pedacinho estou soluçando há o quê? Uns quatro anos? E vocês?

Eu preferia uma cárie sentimental. É chato? É. Mas é um problema que tem solução em no máximo uma ida ao dentista – bem que podia ter resolvido esse buraco na primeira consulta, não era?. Mas olha, às vezes é preciso suar mais um pouquinho mesmo, respirar fundo, fazer barulho, sei lá, pedir aos santos. Aliás, reforço aqui, se essa semana terminar bem, São Longuinho, te prometo um carnaval de pulinhos. Bora na coragem que ainda é segunda. Boa semana, queridos.

Roberta D'Albuquerque: Roberta D'Albuquerque é psicanalista. Email: robertadalbuquerque@gmail.com