Livre, empoderada e talentosa. Quem olha para a artista Duda Modesto, 30 anos, nem imagina que ela já vivenciou um relacionamento abusivo.
Cantora das noites riobranquenses, Duda transformou as marcas da violência em versos, na música ‘Não Descuido Mais’, disponível em todas as plataformas de streaming.
“Essa ida ao passado é pra mostrar o que ficou. Aprendi”, diz a artista, na música que escreveu como resposta à relação abusiva que teve com outra mulher.
A acreana se define como uma mulher cisgênero bissexual. Cisgênero é pessoa que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu, e bissexual é a pessoa que é emocionalmente, romanticamente ou sexualmente atraída por mais de um gênero.
“‘Não Descuido Mais’ é sobre os entendimentos pós relacionamento abusivo, uma reorganização de prioridades, um reencontro comigo mesma e o que eu não pretendo deixar acontecer mais comigo, situações nas quais não quero mais me permitir estar”, disse Duda, que criou a canção em 2017, anos depois de todo o ocorrido.
Apesar de ser um tema atual, pautado por muitas mulheres, uma vez que o Acre é um dos estados com mais registros de violência, proporcionalmente, no país, expor um relacionamento abusivo é difícil para as vítimas, especialmente, para quem carrega consigo as cicatrizes emocionais.
“Na época, eu era bem mais nova e não se falava muito de relacionamento abusivo, principalmente, entre duas mulheres. Acho que, até hoje, a gente tem um estereótipo do abusador, geralmente um homem”, salienta.
A violência, muitas vezes, é confundida com afeto, alerta a artista. “Compreender que a pessoa que representa essa figura abusadora, em outro momento, também vai representar alguém com o qual você se sente segura e amada, é difícil. E, sim, essa mesma pessoa pode ser a que vai te levar para o inferno, que vai te violentar, que vai te agredir com palavras, que vai te agredir fisicamente, e isso é extremamente confuso”, observa a cantora, que seguiu fazendo terapia, desde o fim do relacionamento em questão.
Mesmo sendo uma mulher de personalidade forte e decidida, assumir que vivenciou uma relação abusiva foi difícil para a artista.
“Foi muito difícil dar nome aos bois. Eu tinha medo de alguém desmerecer ou da própria pessoa dizer ‘você estava lá porque você queria’. E mesmo tendo uma compreensão maior de tudo, fiquei com muito receio de gravar a música, levar a público, falar sobre. E eu não tenho falado o nome da pessoa, apenas estou contando a minha história, o que aconteceu comigo e como isso interferiu em quem sou hoje, em como isso me mudou”, disse.
Não é preciso ser especialista no assunto, para saber que a música de Duda é o retrato da realidade de muitas mulheres Brasil afora, e que a coragem em expor uma parte tão sensível de sua jornada vai inspirar muitas acreanas a transformarem seus relacionamentos, especialmente, consigo mesmas.
‘Não Descuido Mais’ e muitas outras quatro canções está no EP disponível nas plataformas streaming. Agora, Duda está em fase de produção de outro disco, que deve ser lançado em breve.
A carreira
Formada em Direito, a acreana divide os palcos com o trabalho que realiza no Tribunal de Justiça do Estado do Acre (TJAC), onde é servidora desde a graduação.
O relacionamento sério de Duda Modesto com a música começou em 2015, nos barzinhos da capital acreana. Com o tempo, ela percebeu que poderia transformar a paixão em trabalho.
“Tive a sorte de ter sido acompanhada por músicos incríveis de várias gerações nossas. Logo em 2015, eu já comecei a compor, mas, não visualizava a possibilidade de poder gravar, por ser caro. Então, fui adiando. Por um tempo, parei de trabalhar com isso, nunca publicava minhas músicas autorais, nunca tocava as minhas músicas”, relembra.
A virada de chave aconteceu quando, incentivada por amigos, Duda concorreu a editais públicos de incentivo à cultura e conseguiu financiamento para o seu primeiro trabalho totalmente autoral.
“Tem sido uma experiência enriquecedora para a minha carreira musical, porque é diferente do que eu vinha fazendo. Tenho aprendido muito”, celebra a acreana, destacando que está agora produzindo o seu próprio disco. “Em breve, será lançado, também aprovado no projeto de Lei Aldir Blanc. Terminei de gravar meu videoclipe, está em processo de edição, para a gente lançar, e estou muito, muito satisfeita de estar mergulhada nisso. E é esse o caminho que quero seguir”.
Sobre o futuro, Duda é enfática. “O meu ideal, meu objetivo de vida é ser artista unicamente. Eu tenho trabalhado muito para que isso aconteça”, revela a artista acreana, que além de ser exemplo de (r)existência, cantora e compositora, é mãe da pequena Elis, de apenas 3 anos.
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