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Ilusões torpes, esperanças frustradas

Os encontros nossos de cada dia por esta vida afora vão acontecendo, sucessivamente, consequentemente, e em acordo ou desacordo com as pegadas leves do destino que nos domina e nos perverte a alma quando nos nutre de tantas quantas esperanças, às vezes tão aprazíveis, mas nem sempre tão frustrantes, pelo menos no caso do pensador obtuso que aqui deixou escritas estas tão mal traçadas linhas.

         Em uma certa ocasião, há um tempo de uma era já indefinida na memória vetusta, um desses fabricadores de aforismos, cujo nome foge agora ao tutano, falou ao ouvido do sonhador uma assertiva mais ou menos segundo a qual as esperanças, algo marcadamente humano, vão abrindo horizontes e perspectivas a perder de vista, e apontando possibilidades e nuances que jamais se houve por bem prever. O futuro é absolutamente aberto. Sempre. Mas é necessário que seja pacientemente construído pelas mãos dos que sabem esperar. Vai-se viajando, então, ao sabor dos ventos e das ondas e dessa nau de pau a pique que é o nosso viver.

         Jamais temos certeza do que nos espera o dobrar da esquina. Mas a esperança cogita um novo amor, um ensejar de um romance, talvez. Uma grande amizade, então. O futuro a ser vivido em outras plagas, onde nunca foi cogitado acontecer. Em verdade, os encontros são mesmo assim. Algumas esperanças é que se chocam com a realidade nua e crua do humano. Daí é que nascem as decepções ou as grandes inclinadas ascendentes no gráfico da vida.

         Alina é húngara, nascida em Budapeste, filha de um comissário aéreo brasileiro, daí o amplo domínio do português, até porque já viveu durante catorze anos em São Paulo, a partir de onde alçou voos jamais esperados pelos pais de dupla nacionalidade. Viveu em Milão e Verona por cinco anos e agora é exclusiva de uma grife em Amsterdã, onde encontrou e ficou amiga de uma brasileira linda e de fala ritmada. Em pouco tempo, de modelo fotográfico e de passarela, tornou-se uma das top girls mais badaladas da Europa, notadamente, agora, depois que se enamorou de um futebolista inglês de alta renda. Fala três ou quatro idiomas, o que a elevou ao status de cosmopolita. Com um olho no futuro e o outro em New York, faz curso para se aperfeiçoar na arte da produção de moda de altíssimo nível.

         Flavinha é do Recife, nasceu em Casa Amarela, bairro nobre, mas a sua pesquisa de doutorado em antropologia cultural foi levada a efeito nos alagados, um dos guetos mais miseráveis do Brasil nordestino, daí a sua fixação e grande admiração pela literatura socialista e comunista produzida pelo mundo afora. Segundo ela, nunca foi além da pesquisadora social que é; portanto, não é patroa de ninguém e, por isso, diz ser uma intelectual das esquerdas modernas hoje em ascensão pelo mundo afora.

         Em uma certa noite de primavera, em Amsterdã, depois de uma balada incrível, as duas se encontraram em um night club campestre, onde centenas de jovens bebiam cerveja a preço razoável. Aconteceu que, de repente, Alina ouviu de alguém uma expressão bem brasileira e que era do seu uso quando residia no Brasil:

         – Carácolis!… Que porra é essa!

         A primeira se virou de lado e esboçou um leve sorriso para a outra. Como latinas calorosas, o que é natural, abraçaram-se longamente e deram início a uma amizade que dura até hoje. Encontram-se, em fins de semana, esporadicamente, ou a cada quinze dias, para almoços, jantares, passeios e baladas, onde o tema principal das conversas de ambas é o Brasil dos mil contrastes e das ocorrências mais estapafúrdias e incomuns de que se tem notícia no mundo moderno.

         Entre um encontro e outro, onde os namorados às vezes também estão presentes, os contatos são feitos pela via das redes sociais. Alina escreve aos borbotões, como se estivesse conversando, quase sem parar, o que está levando a moça do Recife a colecionar os seus posts, com vista à edição de um livro sobre as concepções políticas extravagantes de uma ninfeta inteligente nos seus vinte e dois anos.

         Bem ao modo de ser europeu jovem, as vanguardas esquerdistas e a sua pregação em favor do bem comum e da repartição de renda entre todos os humanos tomam conta de qualquer estudo e de qualquer debate. O dito primeiro mundo assim o é porque sempre evolui bem mais rápido que os demais, quando a questão é a defesa do planeta e das pessoas que nele coabitam.

         As críticas feitas por todos são sempre muito cheias das razões mais palpáveis, posto que têm base na leitura de livros – clássicos e populares – em países onde a boa leitura é hábito incentivado e as obras literárias não são escondidas dos jovens mais humildes.

         Flavinha é assinante e colaboradora bissexta das revistas Piauí Herald e Carta Capital. Enquanto estudante brasileira radicada no estrangeiro, vê o Brasil sob a ótica de quem está longe, mas gostaria de estar perto e ao lado das causas mais justas, como uma universidade pública aberta ao homem dos nossos sertões que sempre fica longe do que de melhor a nação-povo poder-lhe-ia oferecer, como também é o caso da repartição de renda.

         Em uma das postagens feitas pela pernambucana, ficam muito claras as suas convicções e o seu modo incisivo nordestino de expor o pensamento:

         – Os intelectuais brasileiros se evadem por vergonha da realidade de um país cujo grande ditador é um canal de televisão que fala pelos ricos e secundariza ou minimiza todas as mazelas sociais do nosso País. Depois, a realidade do desenvolvimento científico é alarmante e deveria sofrer uma intervenção de quem quer eu fosse. Enquanto no Brasil um professor universitário ganha mil dólares mensais para levar a efeito mais de noventa por cento da pesquisa ali produzida, no primeiro mundo, este mesmo profissional vale trinta vezes mais, no mínimo. É muito mais por isso que eles se vão em busca de mais valor para aquilo que tão bem produzem.

         E sobre esse tipo de mazela nossa a grande mídia – Rede Globo – nada diz porque isto não é interessante aos objetivos das elites patronais que enganam a todos e geram o sub produto mais bem elaborado pelo capital, o famigerado ‘pobre de direita’. A grande mídia brasileira convence as massas de pobres de que tudo está muito bem da forma que está.

         Incentivada por Flavinha, Alina parte para o fator artístico que tem muito mais a ver com a sua praia, no dizer dela própria.

         – Percebo que há um mercado consumidor das ilusões mais torpes de que se tem notícia na história da humanidade. Daí tantas esperanças brasileiras perdidas. As telenovelas da Globo transportam os seus clientes a um mundo fictício e ilusório onde tudo retrata um padrão de vida de alto nível. E o pobre embarca nessa feito um patinho encantado pela sua primeira vez em contato com a lagoa. Daí, vem a pancada fatal. Entre uma historinha e outra, um jornal altamente tendencioso ajuda a alienar ainda mais o populacho telenoveleiro sujeito a mentir como mentem os personagens e os jornalistas globais.

         Em síntese, de posse de alguns manuscritos das moças, falo-vos de esperanças frustradas por formadores de opinião inescrupulosos que escondem a verdade em benefício de si próprios enquanto agregados midiáticos de uma elite que ainda respira os tempos da colônia e do império.

         Mas, apesar de tudo isto, o sonhador maduro ainda pensa em dias melhores e prega como pregava um dos clássicos gregos – Eurípedes – que dizia que o homem superior é o que permanece sempre fiel à esperança; não perseverar é coisa de imbecis. 

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Cláudio Porfiro: Cláudio Motta-Porfiro é romancista, cronista, poeta e palestrante. Membro da Academia Acreana de Letras. Email: claudioxapuri@hotmail.com