“Eu sinto como se tivesse fechado um livro”, me disse há muitos anos uma analisanda sobre o fim de um relacionamento. Ouvi poucas metáforas tão precisas quanto essa. Embora, no minuto seguinte, quando explicou o sentido do que dizia, eu tenha entendido que fechar um livro para ela é totalmente diferente do que fechar um livro pra mim. “Tirei de casa e não penso sobre o assunto, se brincar, nunca mais leio nada”, finalizou.
Tenho um gosto danado por ouvir a vida a partir de outras perspectivas. Aqui do meu pedacinho, nunca tiro um livro de casa. Claro que tem gente que não pode mesmo seguir conosco, mas as experiências que vivemos com essas pessoas permanecem. Gabrielle Tito, minha ‘amiga’ esquisita da infância, por exemplo, precisei me afastar dela para não dar comidinha a um relacionamento que desde lá se desenhava tóxico. Mas até hoje escrevo sobre a menina. Aprendi com ela e aprendi comigo por causa dela. Carlos André, outro exemplo, meu amigo da quarta série que abandonei no meio da quadrilha – único que me comprimentou na segunda-feira seguinte – já não o vejo há pelo menos 30 anos, mas lembro dele sempre, lhe quero bem, torço para que sua vinda tenha sido e siga sendo doce.
Livro bom ou ruim segue sendo livro, segue tendo corporeidade, ecoando, por mais que a gente não perceba de onde vem o eco. Lembro de inúmeros livros que me deixaram uma tristezinha quando fechados. Uma saudade, sabe? Dificuldade danada de escolher o próximo texto. E embora a tristeza seja legítima, olhando em retrospecto, penso que alguns deles me prepararam para leituras mais complexas e, por que não, ainda melhores.
Na semana que passou, fiz um curso de poesia ótimo, por isso a lembrança dessa história. Foram seis dias divididos por temas, todos em torno do amor, do encanto do início de um relacionamento até seu fim. “Vamos voltar a sofrer de problemas pessoais”, dizia a chamada para o curso. Achei tão bonito esse convite. Na medida em que lia os poemas escolhidos para as aulas e produzia eu mesma meus versinhos, fiquei pensando na impossibilidade de não ler. Uma vez alfabetizados, mesmo uma tentativa rígida não dá conta de abrir mão da construção de sentido a partir de um conjunto de letras. Pense numa placa de trânsito, você olha pra ela e diz “não vou ler o que está escrito”, consegue obedecer?
Pra mim, relacionar-se está no mesmo lugar. Dá até pra escolher não estar em um relacionamento desses que a gente conhece e foi convencida a se sentir na necessidade de engajar. Claro que dá. Mas se fechar para o mundo inteiro seria uma pena. Sempre havaerá o outro – um amigo, um colega de escola ou de trabalho, alguém da família ou do prédio – pra nos surpreender com uma fala, um jeito diferente de olhar o mundo. Quase como quando se chega numa livraria e se sente aquele cheiro bom de papel, sabe? Sempre vale a pena abrir outros livros. Tanta coisa pra ler, minha gente.