Semana passada, lembrei de uma pessoa que recebi em entrevista há alguns anos. Ela veio preocupada com o seu descontrole. Tinha chorado e se horrorizou com o fenômeno. “A última vez que derrubei uma lágrima foi há um ano e meio. Não é que tenha sido um escândalo, acho que ninguém percebeu, mas ontem caí no choro, de molhar o rosto mesmo”. Em um consultório de psicanálise se escuta de tudo, sabe? Mas dessa não esqueci. Um ano e meio?
Tu, que me lê agora, quantas vezes chora de molhar o rosto? Dá pra contar? Daqui, do meu sol em peixes, lua em câncer – desculpa, é que descobri a lua e o ascendente sábado e estou encaixando a descoberta em qualquer conversa -, acho que todo dia, pelo menos uma vez. Agora, se for uma semana como a que passou, a semana da partida de Gal, das imagens do último show do Milton em Minas Gerais, da oficina de poesia do Carlito, das sessões presenciais com os analisando que atendo à distância, dos planos para os 75 de meu pai, da aula longa de Yoga que mexeu em algum lugarzinho lá dentro, aí minha gente.
Chorar é feito respirar. Das coisas que precisam de constância e profundidade. Se for pra separar um acontecimento só, voto na Gal. E ainda um pedaço do acontecimento, voto no Zé, um menino de quem gosto muito, embora nunca tenha o visto. Gostar é a mesma coisa, que seja constante e a fundo.
Zé é amigo de Alice, minha sobrinha. Na terça, quando soube da notícia de Gal, ele gravou um áudio com pedacinhos de algumas de suas músicas. Sabendo do meu gostar, ela me encaminhou os quase quatro minutos preciosos. Eu gosto de gostar e de chorar também. Chorei com esse áudio, com a doçura da voz, com a precisão da escolha do repertório, com a fungadinha – resquício da gripe (COVID, alergia, cansaço) que nos atacou a todos na entrada de novembro – no comecinho de Sorte. Essa música é linda. Tão simples.
“O que sinto sinto grande. O que choro molha tudo”, disse Felipe Morozini, explicando muito melhor do que eu, a entrega que momentos como esses nos convidam a fazer. Que a gente se entregue. Zé escolheu Força Estranha, Balancê, Aquele Frevo Axé, Baby e Sorte. Eu escolho celebrar a sorte de viver na mesma época dos meus analisandos, dos que vieram em entrevista e nunca voltaram, de Gal, Milton, Carlito, de meu pai, de Zé, Alice, Felipe e de você que me lê agora. A vida é pra respirar, chorar e gostar, minha gente. Bora.