A Conferência do Clima que ocorre no Egito não recebeu ainda uma caracterização adequada. Fala-se que é COP da “implementação”, porque se espera que tire do papel os compromissos anteriormente assumidos e não cumpridos. Mas pode ser apenas mais uma reunião para marcar a próxima, com a inflação e a guerra tirando o foco e a urgência da crise climática.
Temos, porém, duas novidades. A primeira é o retorno dos Estados Unidos, maior emissor de gases de efeito estufa. Depois da tragédia Trump, o presidente Biden se compromete a deixar de ser problema e virar solução. A segunda, não menos importante, é a volta do Brasil, potência ambiental e quinto colocado em emissões, saindo o governo negacionista que se recusou a sediar a COP25 e retornando o presidente que promoveu a maior redução no desmatamento da Amazônia. Lula ainda não assumiu o cargo, mas já representa o Brasil e dá esperanças ao mundo.
O mundo entendeu a importância do Brasil e sabe que, sem Amazônia, não tem futuro. Mas o Brasil entende a Amazônia? E os 28 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia entendem? A julgar pelas eleições, temos problemas. O Nordeste garantiu a vitória de Lula, dando uma chance à democracia e ao meio ambiente, igualmente ameaçados.
Nos estados amazônicos, com exceção de Pará e Amapá, a vitória foi de Bolsonaro, com grande vantagem nos municípios do “arco do desmatamento”, dominados pela nova “corrida do ouro”.
O interessante é que foram os nordestinos que migraram para a Amazônia os responsáveis por um novo ciclo de prosperidade no Brasil, com a borracha rivalizando com o café nas exportações. Adaptaram-se à floresta e a mantiveram em pé por cem anos, até que chegassem novas correntes migratórias, incentivadas pelo regime militar, trazendo outras matrizes de produção, algumas inadaptáveis.
Hoje, 34 anos depois de Chico Mendes, o Brasil precisa renovar seu entendimento sobre a região.
Quando coordenei a elaboração do novo Código Florestal, busquei esse diálogo entre produção e preservação, produtores rurais e ambientalistas. Por oito anos no Senado, fiz essa mediação, após ter sido governador do Acre, no período de maior redução do desmatamento e alto crescimento da economia.
Essa experiência me dá autoridade para dizer que a “ambição” das metas de redução das emissões, como tratada na COP, para nós traduz-se em outras palavras: ousadia e inovação. Temos que cuidar de 20% da biodiversidade e de 12% da água doce do planeta e não conseguiremos com uma população faminta, educação sucateada, tecnologia atrasada, infraestrutura inadequada e gestão político-econômica feita em gabinetes e escritórios a 3 mil quilômetros de distância. Será preciso inovar para superar esses atrasos, nada menos que inventar o desenvolvimento sustentável, que ainda não existe.
Fala-se que o governo do presidente Lula será o “novo normal” na democracia brasileira, depois desses anos de flagrante anormalidade. Mas não basta o governo ser normal. É preciso que a sociedade tenha um novo modo de vida, e que a economia acompanhe o ritmo. Na Amazônia, o novo normal precisa estar à altura do desafio que a região representa. O governo deve pensar sem limitações. Em vez do Ministério do Desenvolvimento, ter ministérios do Envolvimento chamando, empresas, estados, municípios e sociedade a envolver-se com uma economia que promova a justiça social e ambiental. Os organismos de financiamento, assistência técnica, pesquisa e tecnologia devem se “amazonizar”. Todo mundo junto.
E o mais importante: os amazônidas, que conhecem o lugar em que vivem, devem ser os protagonistas dessa história. Todo projeto é viável quando se combina com os outros e quando segue as diretrizes gerais da sustentabilidade.
O novo governo de Lula pode fazer valer a COP27 e, assim, reassumir sua liderança no mundo. Tem uma Amazônia pra isso.
Jorge Viana, engenheiro florestal e professor de gestão pública, foi prefeito de Rio Branco, governador do Acre e senador.