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Andei por andar, andei

Caymmi se espalhou na minha cabeça durante a semana inteira. Sim, eu estava na Bahia. Como tem mesmo um jeito esse lugar. Foi uma viagem não planejada, um convite querido de última hora. Fez calor como era de se esperar. Embora, nos primeiros dias, o sol tenha aparecido pouco. O céu cinza, não tirou um milímetro da beleza dos chiados das falas que ouvi de terça a domingo. Há uma sútil diferença entre o sotaque dos meus (de pernambuco) e o dos baianos. Justo esse chiadinho. Ambos são lindos, mas como eu gostei quando um amigo que encontrei se despediu com um abraço apertado e um “Tche vejo em São Paulo”.

Fez calor e sempre que pude mantive o ar condicionado desligado e as janelas abertas, no desejo de ouvir e sentir a cidade – de ouvir e sentir o mar. Na quinta, de manhã cedinho (cedjinho), andei beirando a praia e voltei para o banho na alegria salgada do suor nordestino. Suor temperado e úmido, só tem lá. Ainda nem lavei a camiseta.

Da orla, fomos a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai. Pelo que entendi, eu sou a única pessoa viva que nunca tinha feito esse passeio. Tão comovente. Fiquei molinha com o quarto do casal, as mesinhas na lateral da cama, cada uma com um lugar para acomodar as leituras. Lembrei de uma analisanda que me contou que o melhor momento do seu dia, era quando o marido lia pra ela à noite. Se deixar dormir com a voz dele, era, pra ela, o ápice da entrega. Nunca esqueci dessa história, e toda vez que a conto pra alguém, me sinto envolvida por uma massa suave de amor. Dá quase pra pegar com a mão. Senti um pouco disso naquela casa. Como se alguém estivesse lendo pra mim uma história boa. As cartas, as gravações, as vozes vivas. Cobertorzinho de amor.

Enquanto pensava no que escrever hoje pra vocês, no que contar da viagem, nada me pareceu mais importante do que chamar atenção para as vozes do outro. Do motorista que largou Rondônia há vinte anos, depois de férias, que deveriam ter sido curtas, na praia do forte. Segue lá. Da cozinheira que viu uma luta do padrasto com um jacaré de papo amarelo, que me mostrou a pele morta de uma cobra – “jogo fora nada, vai que ela volta pra buscar”-, que fez abará de lanche e listou os ingredientes do preparo como quem recita um poema. Do menino que se percebeu agradecido e feliz por estar vivo naquele exato segundinho. Aos onze, percebeu e verbalizou. Talvez essa tenha sido a coisa mais bonita que eu ouvi esse ano. Do meu desejo de seguir me deixando encostar pelo outro.

No aeroporto, pagando um café, ouvi da moça do balcão: é de aproximação. E respondi distraída: sou. Caminho sem volta, né? Quem vem pra beira do mar, ai

Roberta D'Albuquerque: Roberta D'Albuquerque é psicanalista. Email: robertadalbuquerque@gmail.com