Será Argentina x França. No Al Bayt, os franceses venceram por 2 a 0 e acabaram com os sonhos dos marroquinos, dos africanos, dos árabes e mais uma porção que pretendia ver um campeão inédito da Copa do Mundo. Não será assim. Mas será com dois Extraterrestres.
Um que busca a glória para sair de cena. Outro que busca a glória para ganhar de vez a cena. Domingo, no Lusail, tem Messi x Mbappé. Argentina x França. A final mais justa no Catar.
Foi noite de Libertadores na Copa do Mundo. O rugido vindo das 68,9 mil cadeiras do Al-Bayt deram a Al Khor cara de América do Sul. Por sorte, o estádio de arquitetura mais bela da Copa está no meio do nada, isolado a cerca de 40 quilômetros do coração de Doha. Não há vizinhos. Há só areia branca à espera do desenvolvimento que não tardará a chegar pela autopista construída pelo xeque para a Copa. Se houvesse vizinho, ele não dormiria.
Os marroquinos criaram no estádio um ambiente que a Copa desconhecia. Os argentinos cantam e pulam, é verdade. Só que em determinados momentos, eles param para recobrar o fôlego. Os marroquinos, não. Eles cantam e empurram quando o time está com a bola. Pulam e giram a camisa ou a bandeira no ar.
Quando ela está com o adversário, eles assoviam. Todos. Imagine 68.294 mil pessoas assoviando no seu ouvido, tentando ditar o ritmo do jogo. Funciona assim. Alguns torcedores ficam com tambores na última fileira atrás dos dois gols. São eles que comandam tudo. Ao ritmo das batidas deles, a torcida canta. Vão variando os cânticos. No momento em que Marrocos levava perigo, eles rugiam:
— Maghreeeb, Magreeb.
A tenda gigante de Al Khor chegou, em determinado momento, a tremer quando marroquinos começaram a pular e gritar Maghreb, que é como se referem aos países da região da África que engloba ainda Argélia e Tunísia. Claro que nós, sul-americanos, remetemos essa forma de torcer à nossa Libertadores. Mas o mais correto e justo é dizer que se trata de uma forma tipicamente marroquina. Se você ainda não viu, busque no YouTube vídeos dos clássicos entre Raja x Wydad, o clássico de Casablanca, uma paixão desmedida que faz o nosso Gre-Nal virar festa com guaraná e bolo inglês no playground.
Tudo isso que contei até aqui aconteceu com o Marrocos perdendo o jogo quase desde que se iniciou. Aos cinco minutos, Varane avançou até o meio-campo e deu passe que não quebra a linha, a derrete. El-Yamiq escorregou ao se antecipar. Griezmann chutou bloqueado, Mbappé tentou também, e a bola sobrou para Theo Hernández fazer 1 a 0. Foi o primeiro gol feito por um adversário no Marrocos, já que o sofrido contra o Canadá havia sido contra.
Imaginou-se que a decisão havia acabado ali. Que nada. Saiss, o zagueiro capitão, sentiu lesão outra vez. Amallah, meia, entrou. Walid Regragui deixou o 5-4-1 e voltou ao 4-1-4-1. Marrocos seguiu seu plano. Marcou e, com a bola, jogou. Ounahi, principalmente. Ele é franzino e ágil. Toma conta do meio-campo como poucos. Não foi de graça que Luis Henrique perguntou depois de cair para o Marrocos quem ele era. Aposto o que você quiser que ele não fica uma semana no Angers, da França, depois da Copa.
A França teve duas chances de marcar. Sempre em bolas longas. Numa delas, Giroud acertou o poste. Na outra, perdeu livre na área. Ounahi, em dois chutes, levou perigo. Porém, o principal lance foi a bicicleta de El-Yamiq. Lloris fez defesa de acrobata. Emanuel Macron, sentado ao lado de Gianni Infantino nas tribunas, deve ter congelado a alma.
Segundo tempo de intensidade
Veio o intervalo, e Walid Regragui, tirou Mazraoui, do Bayern, e colocou Attiat-Allah, seu jogador de confiança no Wydad campeão da África. O Marrocos empurrou a França contra seu gol. Passou a entrar a passes nas linhas azuis.
Quando Amrabat deu um carrinho e jogou grama e Mbappé para o alto, o estádio rugiu em uníssono. O jogo ficou aberto. Marrocos atacava, rondava a área. Por vezes, infiltrava. Os franceses se encolhiam e saíam em contra-ataque. Foi até estranho ver a campeã do mundo encolhida, temerosa, diante de um africano.
Deschamps colocou Thuram para fazer a extrema e posicionou Mbappe como centroavante. Aos 32, trocou Dembelé por Kolo Muani. Dedo dele. Mbappé driblou dois, tocou em Thuram. Recebeu e entrou a dribles na área. O chute saiu travado e sobrou limpo para Kolo Muani fazer 2 a 0. Os marroquinos sentiram o golpe.
Acabava ali o sonho. Foi uma jornada digna de virar filme. Ainda há história a escrever. Sábado, pode fazer o primeiro africano e o primeiro árabe terceiro na Copa. Para a França, o sonho do tri segue. E poderá se realizar na final perfeita, marcada pelo tempo da vida, de um Mbappé que pode virar Messi. Ou de um Messi que pode virar Maradona. Domingo, veremos
COPA DO MUNDO — SEMIFINAL — 14/12/2022
FRANÇA (2)
Lloris; Kounde, Varane, Konate e Theo Hernandez; Tchouameni, Fofana e Griezmann; (Kolo Muani, 32’/2º) Giroud (Marcus Thuran, 21’/2º) e Mbappe. Técnico: Didier Deschamps
MARROCOS (0)
Bono; Hakimi, El-Yamiq, Dari, Saiss (Amallah, 20’/1º, depois Ezzazouli, 32’/2º) e Mazraoui; Amrabat, Ounahi, Zyech e Boufal (Aboukhlal, 21/2º); En-Nesyri (Hammed Allah, 21’/2º). Técnico: Walid Regragui.
GOLS: Theo Hernández (F), aos 5 minutos do primeiro tempo; Kolo Muani (F), aos 34 minutos do segundo tempo
AMARELOS: Boufal (M)
ARBITRAGEM: Cesar Palazuelos, auxiliado por Alberto Méndez e Miguel Paredes (trio mexicano). VAR: Drew Fischer (Canadá)
PÚBLICO: 68.294 pessoas
LOCAL: Estádio Al Bayt, em Al Khor