Considerando o cenário de flexibilização das normas ambientais, corte de recursos financeiros e técnicos dos órgãos de fiscalização e monitoramento, o Instituto de Estudos Amazônicos, Comitê Chico Mendes, Associações de Moradores da Reserva Chico Mendes e Conselho Nacional das Populações Extrativistas entraram com uma ação civil pública, na 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Acre, contra a União pelo desmatamento na Reserva Extrativista Chico Mendes.
Símbolo da luta socioambiental e extrativista no Brasil, a Resex Chico Mendes, criada em 1990, tem sido um dos alvos da estratégia de desestruturação das áreas protegidas na Amazônia nos últimos anos. Com quase 1 milhão de hectares e população entre oito a 10 mil habitantes, a Resex alcançou números recordes de desmatamento em 2021, registrando a maior taxa de desmatamento em 15 anos, cerca de 10.781 km desmatados, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
A Ação Civil Pública foi ajuizada pelo IEA, representado por Mary Allegretti, antropóloga e presidente do IEA, e o escritório do advogado Genésio Natividade. A ACP tem a finalidade de responsabilizar a União, o IBAMA e o ICMBio pelos danos ambientais e morais gerados aos moradores, além de impedir a continuidade do desmatamento ilegal no interior da Resex e recuperar as áreas desmatadas acima do legalmente permitido.
Entende-se também como finalidade da ACP coordenar a União, o IBAMA e o ICMBio a implementar e executar planos e políticas de restauração; controle e fiscalização ambiental para a Resex Chico Mendes; indenizar os danos materiais decorrentes do desmatamento em pelo menos R$ 183.817.104,00, e os danos morais coletivos sofridos pelas comunidades extrativistas em no mínimo R$ 100.000.000,00; e declarar que a União e suas entidades estão violando a legislação ambiental, constitucional e infraconstitucional, bem como o direito internacional aplicável, ao se omitirem na tutela contra o desmatamento na Resex.
“A ideia de ajuizar uma ação em defesa da Resex surgiu depois de ouvir os relatos dos moradores, que diziam que não estavam conseguindo controlar as invasões, roubo de desmatamento acelerado e a falta de presença do ICMBio”, conta a antropóloga Mary Allegretti.
Nesse momento, o IEA decidiu conversar com advogados que atuam na região e o Dr. Genésio Natividade, que é o advogado que trabalhou na defesa do Chico Mendes em 1987, e decidiram preparar uma ACP, com levantamento de dados e entrevistas. Genésio foi contratado pelo IEA para fazer a assessoria jurídica de Chico Mendes no período em que estava sendo mais ameaçado, o advogado também ficou responsável pela atuação no sindicato dos extrativistas e ajuizou vários processos contra os desmatamentos e em defesa dos seringueiros.
“A Ação Civil Pública já foi ajuizada, já foi aceita pelo juiz e já temos o parecer do Ministério Público Federal também”, releva Mary. “Agora na Semana Chico Mendes, nós organizamos um evento em Xapuri, no Acre, nos dias 15 e 16, onde vamos ouvir mais os moradores da Resex, apresentar e explicar os objetivos da ação e debater com outras entidades um plano de proteção e desenvolvimento no território”, conclui.
Para a presidente do Comitê Chico Mendes a Ação Civil Pública surgiu do clamor das organizações socioambientais pelo abandono e ataques a unidade de conservação.
“Reserva Extrativista Chico Mendes ela é uma reserva muito simbólica, não só por levar o nome do nosso patrono no meio ambiente, mas por ser a segunda maior reserva extrativista do Brasil, por ter o maior número de municípios. Por isso é uma das mais pressionadas pelo agronegócio. É nesse sentido pelo trabalho que nós estamos fazendo com os jovens, nós percebemos o quanto de ameaça, o quanto de ataques a reserva extrativista está sofrendo. Não só por parte da invasão da presença do narcotráfico, mas também pelo enfraquecimento das associações concessionárias. Organismos que são vivos dentro da Resex”, disse Angela Mendes.
Angela ainda destaca que o papel do ICMBio não é apenas fiscalizar, mas tornar possível que as populações tenham acesso às políticas públicas.
“Esse cenário de abandono, não só da Chico Mendes, mas de todos os territórios de uso coletivo que se deve também pelo desmonte do próprio ICMBio é muito preocupante e eu acho que essa ação é importantíssima. Trazendo esse olhar e a judicialização de uma situação que chegou ao extremo mesmo pela ausência do estado brasileiro. Então o próprio ICMBio precisa cumprir o seu papel de co-gestor da unidade. Não apenas focando numa agenda de fiscalização mas que possibilite e que promova também que essas populações tenham acesso às políticas públicas. Que elas sejam também protegidas”.