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Adaptação das plantas às mudanças climáticas através da lignina: Qual o papel da biotecnologia na compreensão deste fenômeno?

Por Romário Pinheiro, Gizele Gadotti e Evandro Ferreira

Estudos demonstram que as mudanças climáticas e as mudanças no uso da terra são os principais impulsionadores da redistribuição de plantas no planeta. Entretanto, para sobreviver a essas mudanças, as plantas precisarão ser resilientes e apresentar flexibilidade em suas estratégias de dispersão de modo a garantir  sucesso em sua adaptação a essas novas condições.

De uma maneira geral, as plantas apresentam três tipos de adaptações: a estrutural, a comportamental e a fisiológica.

Na adaptação estrutural uma característica física das plantas evolui para garantir sua sobrevivência e pode se manifestar, por exemplo, no aparecimento de folhas com superfícies protegidas por cera. Na adaptação comportamental as plantas podem passar a fechar as folhas nos períodos mais quentes do dia. Na adaptação fisiológica mudanças em processos químicos ao nível celular podem produzir venenos e toxinas para a proteção contra predadores.

Um estudo recente identificou que enzimas de plantas conhecidas como “Laccase” podem codificar químicas específicas de sua lignina favorecendo a criação de mecanismos de adaptação fisiológicos que permitem às plantas crescer, se hidratar e resistir aos estresses causados pelas mudanças climáticas em curso.

A lignina é uma macromolécula tridimensional amorfa associada à celulose da parede celular de plantas terrestres que preenche espaços vazios nessas paredes e confere ao tecido vegetal rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques biológicos e mecânicos. Embora a lignina seja encontrada em muitas plantas, sua constituição não é a mesma em todas elas.

A lignina é o terceiro componente mais importante da madeira e pode representar até 35% de seu peso. Sua elaboração pelas plantas consome carbono atmosférico e se estima que as partes lignificadas das plantas armazenem cerca de 30% do carbono total do planeta.

Nas plantas vasculares, caso da maioria das espécies arbustivas e arbóreas da floresta amazônica, os vasos que conduzem água e sais minerais do solo até as folhas (xilema), e a seiva elaborada das folhas ao corpo das plantas (floema) tem paredes celulares reforçadas com lignina. No entanto, pesquisadores observaram composição química diferenciada na lignina encontrada nas paredes internas e externas desses vasos.

Esse achado os levou a questionar a razão para essas diferenças e testar se mudanças nessa composição afetaria a capacidade hidráulica das plantas diante de condições ambientais adversas.

Nas plantas, a formação de lignina é controlada geneticamente e afeta a concentração, composição e estrutura molecular da lignina durante o desenvolvimento e resposta ao estresse para cada tipo de célula nas diferentes camadas da parede celular.

Sabe-se, por exemplo, que os vasos do xilema não podem suportar grandes diferenças no gradiente do potencial de água que se forma entre o seu ponto de absorção nas raízes e sua liberação em forma de vapor na superfície das folhas. Ou seja: se a perda de água é superior à quantidade absorvida existe o risco de interrupção do continuum da água no interior dos vasos xilemáticos.

Quando isso acontece, geralmente em períodos de seca (pouca disponibilidade de água no solo), ocorre o colapso das paredes dos vasos condutores de água, resultando na interrupção do transporte da mesma pela planta (bloqueio da condutividade hidráulica). Esse colapso muitas vezes é reversível e atua como um disjuntor que confere proteção e resistência às plantas durante as secas severas.

Nas últimas décadas, o desenvolvimento de técnicas avançadas de biotecnologia vegetal aumentou dramaticamente o conhecimento dos mecanismos por trás da regulação de vias metabólicas envolvidas na produção compostos orgânicos – como a lignina – em plantas. Além disso, permitiu entender melhor o papel da edição de genes e a manipulação de enzimas.

Dessa forma, os pesquisadores que investigaram o papel da enzima “Laccase” na síntese de lignina em plantas usaram bloqueadores químicos para impedir a formação de lignina e engenharia genética para desligar os genes responsáveis pela sua produção, e observaram que mudanças na proporção de unidades de lignina quimicamente distintas conferiam diferentes propriedades hidráulicas e mecânicas aos vasos condutores de água, sais minerais e seiva.

Eles também observaram que modificações na quantidade, composição e tempo em que unidades específicas com química distinta são incorporadas na lignina de cada morfotipo celular tem efeitos dramáticos, podendo, por exemplo, causar defeitos nas propriedades hidráulicas e biomecânicas dos vasos condutores de seiva.

A conclusão a que chegaram foi a de que o ajuste correto na proporção entre as diferentes unidades químicas da lignina presentes nos vasos condutores das plantas, além de fortalecer mecanicamente os mesmos, permite que as plantas resistam e/ou se recuperem melhor de eventos de seca.

Os resultados desse estudo sobre os efeitos da enzima “Laccase” demonstram como a química da lignina é controlada e abre possibilidades para que pesquisadores possam selecionar, com base em códigos genéticos que controlam a síntese de lignina, culturas agrícolas e espécies florestais mais resilientes aos estresses causados pelas mudanças climáticas em curso, especialmente a escassez de água.

Para saber mais:
Blaschek, L. et al. 2022. Different combinations of laccase paralogs nonredundantly control the amount and composition of lignin in specific cell types and cell wall layers in Arabidopsis. The Plant Cell. Disponível em: https://doi.org/10.1093/plcell/koac344 Ménard, D. et al. 2022. Plant biomechanics and resilience to environmental changes are controlled by specific lignin chemistries in each vascular cell type and morphotype. The Plant Cell. Disponível em: https://doi.org/10.1093/plcell/koac284 Koo, K. A. & Seon, U. P. 2022. The effect of interplays among climate change, land-use change, and dispersal capacity on plant redistribution.

Ecological Indicators. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ecolind.2022.109192
*Pesquisador Bolsista PCI-DB/MCTI/CNPq/INPA
**Pesquisadora de Produtividade em Pesquisa 2 CNPq/UFPEL
***Pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC

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Evandro Ferreira: Evandro Ferreira é pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre (Ufac). Email: evandroferreira@hotmail.com