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“Eu acredito na vida”

Conheci uma menina no sábado que me disse essa frase. A gente riu juntas porque a fala finalizava uma história completamente irresponsável. Ela estava em Roma, sozinha, conheceu uma americana em um bar que a indicou uma festa num bairro distante, era fim de noite, nem a própria moça iria pra festa. “É boa, mas é perigosa demais pra mim”. Ela foi. Lá, conheceu um colombiano. Beijaram-se sem trocar palavra. “A primeira pessoa que eu vi no rolê, foi uma atração sem precedentes, inevitável”. Dia quase amanhecendo, os dois, no meio da rua, são parados pela polícia, ele se dá conta de que estava sem o passaporte. Para livrá-lo de uma dor de cabeça maior, ela se responsabiliza pelo desdocumentado. Promete aos policiais que o levará para casa (o Airbnb que dividia com os pais e os irmãos). Distraída de álcool e espírito flerteiro, esquece que era só uma promessa e leva o moço com ela. Gastam as próximas horas dividindo o pão e a geléia com pais e irmãos ainda de pijama. Por mais que todas as previsões fossem contrárias, encontrou no colombiano uma amizade fiel que se mantém até hoje. “É que eu acredito na vida, sabe, como é teu nome mesmo?”  Mais risadas. Ela tinha passado a noite me fazendo confissões íntimas e não sabia nem meu nome.

Eu também acredito na vida. Quarta-feira, saí de casa às 9h da noite pra pedalar. Não tem perigo nenhum. Minha bicicleta é velhinha, ninguém se interessaria por roubá-la, quanto ao telefone, ao cartão do banco e ao relógio, quem vai se dar ao trabalho de assaltar alguém correndo numa bicicleta? Tarde da noite, pedalando no centro da cidade, me sinto, portanto, a pessoa mais segura do mundo.

Só que a vida, minha gente, não é esse Toddynho gelado que você toma todo dia de manhã não. No meio do Minhocão – eu já tinha visto dois pedestres serem furtados, só naquela noite -, senti um peso diferente na bike. Um barulho, um negócio esquisito. Parei, chequei a corrente, chequei meu casaco, que por vezes engancha aqui e ali, e nada. Do outro lado da pista, passava um menino que sempre encontro por lá. A gente se comprimenta de sorriso porque não nos conhecemos, mas nos vemos quase todo dia nas pedaladas noturnas. Acenei, ele parou. Pedi ajuda e ele me apontou o pneu furado, me disse que teria que empurrar até em casa. Roberta segura e corajosa, agora pedestre, desmontou ali mesmo. “Mas empurrar? E se me pegarem no caminho?”. “Sim, empurrar. Tu tá com medo, é? Tu mora aonde? Vou contigo.”

Lembrei dessa história no sábado, embora não tenha podido contar para a minha interlocutora que já emendou outra aventura e outra e outra até a gente se despedir prometendo seguir acreditando. Riscos e maluquices à parte, passando só pra lembrar do quão bonitas são essas cutucadas que a vida nos dá. Embora, às vezes pareça que o número de pessoas com ética questionável cresce a cada dia, ainda tem muita gente boa no mundo. Boa semana pra vocês, para André (o querido da quarta), pra menina, de quem também esqueci o nome e para o colombiano dela.

Roberta D'Albuquerque: Roberta D'Albuquerque é psicanalista. Email: robertadalbuquerque@gmail.com