Morei no interior até os 13. Era uma casa grande, uma mãe doce, um pé de limão e um tanto de canteiro de papoula. Um pai que dava banho no pastor alemão de short e depois pulava na piscina chamando a gente pra tomar sol, uma piscina e um pastor alemão. Uma cozinha com mini sanduichinhos de atum, que a gente servia na bandeja fingindo chiquê, um fondue de requeijão e pão de forma para as crianças imitarem os jantares dos adultos, um chocolate quente digno do mais frio dos invernos, mesmo quando era verão. Um sofá modular que virava navio, castelo, cabana, uma rede colorida pra cada quarto, um monte de disco e arranjo de flor.
Com essa casa, essa mãe, esse pai e esse interior, dificilmente passamos um feriado, um período de férias ou até mesmo um fim de semana, sem alguém ocupando o quarto de hóspedes. Minha irmã e eu, quase sempre, nos entusiasmávamos com as visitas. Mas de todas, as nossas temporadas favoritas eram as dos primos. Vinham no primeiro fim de semana de julho e só voltavam lá para o fim do mês. Era como ganhar irmãos temporários.
Lembro de uma específica que justifica o quase do parágrafo anterior. Já estávamos, Poly e eu, com 11 e 12, e a prima que nos foi enviada, veio com defeito de fábrica. Era pequena demais para a nossa pré-adolescência. Ainda assim, tentamos. Minha irmã convidou para jogar War, não dava; para ouvir música, não queria; para pintar, estragou as pontas das canetinhas. Eu convidei para a piscina, tinha frio; para o chocolate, tinha calor; para a cabana, não tinha vontade.
A única atividade que lhe agradou foi brincar de boneca. Brincar, mas não montar a brincadeira. Sem problemas, para a Roberta de 11, montar era quase tão precioso quanto fazer a trama, as vozes, os movimentos desajeitados do corpo plástico. Naquele dia ela me assistiu afastar as duas camas do quarto de hóspedes e organizar à perfeição, no tempo da delicadeza, o guarda-roupa e todas as roupinhas, a sala e seus enfeites, a cozinha, as panelas, a churrasqueira com cada carninha e cada espeto, o escritório, a caneta microscópica, o computador quadrado, e o mais importante de todos os itens, a cristaleira, pratinhos, taça, copos, mini talheres.
Lembro até da roupa que minha prima usava nesse dia. No meu “pronto, bora?”, ela levantou com força e fúria, esticou como pode braços e pernas em direção ao mundo recém montado, espalhando pelo carpete os objetos, pisou em cada um deles, chorou com a dor dos pés descalços, jogou a cristaleira da varanda, arremessou as bonecas pelos cabelos escovados e finalizou a cena com um agudíssimo “passou um furacão aqui”. Nunca esqueci do espantoso gosto pela destruição que aquela criança demonstrou, da violência na expressão de uma menina tão pequena, do meu susto. E tomo esse acontecimento por um dos grandes da infância. Sonhei ontem com a cena inteira, nítida, como se estivesse acontecendo naquela noite. Senti em dobro e comecei a semana como uma velha cansada de 11 anos. Reconstruir, minha gente. Reconstruir. Boa semana, queridos.