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MPAC tira autistas adultos da invisibilidade e cria grupo para garantir direitos; ‘uma virada na minha vida’

Ministério Público do Acre tira autistas adultos da invisibilidade

 

“Considero, de longe, e, definitivamente, a melhor experiência da minha vida ter sido contratada pelo MPAC”. Quem lê esta afirmação da jovem Bruna Sampaio, 26 anos, não imagina o caminho que ela teve que percorrer, nem as dificuldades que enfrentou para, hoje, poder comemorar a entrada no mercado de trabalho.

Diagnosticada, já na fase adulta, com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Bruna foi contratada pelo Ministério Público do Acre (MPAC) como auxiliar administrativa, em agosto do ano passado. Ela é a primeira pessoa com TEA a fazer parte do quadro do órgão, que, em 2022, deu início a ações importantes para tirar autistas adultos da invisibilidade.

Em maio do ano passado, o MPAC instituiu um Grupo de Trabalho, o GT-TEA, que tem, entre suas principais atribuições, o objetivo de garantir o acesso de autistas a serviços essenciais no Acre, principalmente, o de pessoas adultas. Além disso, também realiza a importante campanha “Lugar de autista é em todos os lugares”. São ações que visam trazer conhecimento à sociedade acreana e desfazer preconceitos.

Bruna Sampaio, 26 anos, recebeu diagnóstico de TEA com 24 anos e, atualmente, é assessora administrativa no Ministério Público do Acre (Foto: Alcinete Gadelha)

Embora seja um tema cada vez mais abordado, nos dias atuais, a inclusão social de pessoas com TEA ainda é cercada de tabus e preconceitos. Sendo assim, todas as formas de exclusão devem ser combatidas, e, é pensando nisso, que o Ministério Público tem avançado, com diversas ações, tanto na capital acreana, quanto no interior do estado.

A experiência de Bruna é um bom exemplo de que essa busca pela inclusão vale a pena, com ganhos e muito aprendizado para todos os envolvidos. Como ela mesmo define: tem sido uma vivência “transformadora”. Além de estar inserida no mercado de trabalho, Bruna também pode contribuir com o GT-TEA, que é coordenado pela procuradora de Justiça Gilcely Evangelista.

“Tem sido satisfatório, para mim, poder contribuir com projetos como GT-TEA, conhecer outras pessoas e estar em contato com o que o nosso Estado desenvolve para as pessoas com TEA. Eu sinto como se tivesse ocorrido uma virada na minha vida! Eu conheci outras pessoas que são autistas, adultos, assim como eu. Passei a ver que as dificuldades que eles passam são muito semelhantes ao que eu passo, consegui fazer novos amigos e comecei a me sentir, finalmente, como parte da sociedade”, afirmou.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1% da população mundial tem TEA, uma condição de saúde que pode levar a alterações na atenção, linguagem e habilidades de socialização, nos mais diversos níveis, e que, aliados ao preconceito e à pouca informação sobre o assunto, impõem muitos desafios à pessoa com autismo, entre eles, o de ingressar no mercado de trabalho.

Procuradora de Justiça Gilcely Evangelista é coordenadora do GT-TEA, do MPAC: “Começamos com o exemplo”.  (Foto: Alcinete Gadelha)

A presidente da Associação Família Azul do Acre (Afac), Heloneida da Gama Pereira, afirma que, no estado acreano, não há um dado específico que confirme quantas pessoas com autismo possuem um diagnóstico. Mas, baseando-se nos dados do Centro de Controle de Doenças e Prevenção dos EUA, a prevalência é de que uma criança autista nasce para cada 44 da população; daí, a estimativa é de que há 15 mil pessoas com diagnóstico e outras 5 mil ainda sem diagnóstico, no Acre.

Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco (Semsa) mostram, em seus cadastros, que havia, pelo menos, 800 crianças, a maioria com diagnóstico fechado, porém, poucos adultos, em uma fila de espera por atendimento, no município, até o final do ano passado.

Mudanças que chegaram na hora certa

Bruna destaca a importância de todas as mudanças positivas em sua vida, proporcionadas pelo MPAC, visto que um dos grandes obstáculos que os autistas adultos enfrentam é conseguir entrar e se manter no mercado de trabalho. Diante de tantos mitos e desinformação sobre o espectro, conseguir trabalhar em um ambiente que, de fato, os acolha traz impactos ainda maiores na vida de pessoas com TEA, à medida em que, finalmente, são compreendidas e respeitadas, sem preconceitos.

“Esse GT foi instituído pelo nosso Procurador-Geral, dr. Danilo Lovisaro, sensibilizado com a causa das mães de pessoas com TEA que procuraram o Ministério Público e fizeram várias denúncias com relação às dificuldades enfrentadas com educação, saúde… E, o objetivo é conversar com os gestores, com a sociedade civil, pais, mães, e viabilizar os direitos que a nossa Constituição Federal disciplina, que são os direitos à saúde, à vida, ao trabalho, à educação”, ressalta a coordenadora do GT, procuradora Gilcely Evangelista.

Passeata de conscientização da Afac sobre o autismo, em 2015. Grupo existe há mais de 10 anos, no Acre (Foto: Arquivo Afac)

‘Ninguém enxergava como eu me sentia’

A história da Bruna com o TEA é antiga, entretanto, o diagnóstico só veio na vida adulta, com uma investigação que começou quando ela estava com 24 anos. Ela conta que sempre foi uma menina quieta, o que era visto pelas pessoas apenas como timidez.

Até chegar ao diagnóstico, ela conta que passou anos sofrendo bullying na escola, e preconceito, na faculdade. Uma invisibilidade que a maltratou, causou feridas. E, só agora, com o tratamento e oportunidades, ela vem buscando superar, apesar das muitas barreiras que ainda precisam ser vencidas, não apenas por ela, mas também por toda a sociedade.

“Sempre tive muita dificuldade para ter colegas ou amigos. Na época da escola, não conseguia me enturmar direito, também sofria muito bullying. Então, não foram uma infância e adolescência fáceis! Me sentia infeliz, mal e sozinha, mas, ninguém enxergava como eu me sentia”, relembrou os tempos mais difíceis.

Mesmo assim, ela foi cumprindo todas as etapas da vida escolar, concluiu ensino fundamental, médio, foi aprovada para o curso de Direito da Universidade Federal do Acre (Ufac). E, até então, não havia qualquer desconfiança que a fizesse buscar por um diagnóstico mais preciso, até que a necessidade de interação, durante o estágio, fez surgir a crise de ansiedade e o quadro depressivo.

“Nunca desconfiei de absolutamente nada sobre ser autista. O meu diagnóstico só ocorreu porque a minha psicóloga percebeu completamente sozinha que eu sou autista, porque eu não tinha conhecimentos suficientes sobre autismo. Estava em um quadro de ansiedade, sintomas depressivos e uma forte crise existencial”, explicou.

Bruna destacou pontos importantes, ao afirmar que autistas adultos enfrentam muitas barreiras por conta da invisibilidade. Há a enorme dificuldade em conseguir fechar o diagnóstico, muitos são ignorados pelos profissionais, que possuem pouco conhecimento sobre autismo nesta faixa etária, e chegam até descartar a hipótese de TEA, porque o paciente fala, fez faculdade ou já teve relacionamentos. Depois disso, há ainda o desafio de conseguir profissionais para aplicar as intervenções necessárias.

“Ocorre também a invalidação posterior do diagnóstico, por outros profissionais, ou questionamentos, por parte de pessoas aleatórias, que dizem que tal pessoa não tem ‘cara de autista’. Mas, a verdade é que as pessoas não possuem nem conhecimentos básicos de como o autismo se apresenta em adultos. Isso limita também o nosso acesso aos direitos”, desabafou Bruna.

Compartilhando experiência

O diagnóstico por si só, para Bruna, não teve o impacto que ela esperava, uma vez que ela não recebeu, inicialmente, nem o acolhimento, nem o tratamento que precisava. Segundo descreveu, a melhor experiência que teve foi a contratação para entrada no mercado de trabalho.

“Tive uma grande virada na minha vida. Foi quando, realmente, começaram a acontecer coisas boas. Tive a oportunidade de fazer atividades voltadas para ajudar outras pessoas autistas, conheci outros autistas adultos, pude ter esse contato com eles e entender que, muitas das coisas que eu passo, eles também passam. Foi a mudança que eu precisava e buscava”, revelou.

Inclusão por meio do GT-TEA

A guinada na vida de Bruna é um dos frutos das ações do MPAC voltadas para essa saída de autistas adultos da invisibilidade. E, por meio de um conjunto de práticas, o GT-TEA tem contribuído para que muitos outros possam ser vistos e reconhecidos. O Grupo de Trabalho foi instituído, em maio de 2022, e as reuniões começaram, em outubro, com a colaboração de diversos órgãos, que estão comprometidos com essa implementação, que parte da atual gestão. Uma visão humanizada para desfazer preconceitos em todas as esferas, públicas e privadas.

Coordenado pela procuradora Gilcely Evangelista, o grupo conta ainda com a participação de integrantes de associações da causa autista no Acre, de profissionais especializados e de pessoas adultas com TEA, que deram depoimentos sobre as demandas desse público específico.

De acordo com o MPAC, o autismo na vida adulta vem acompanhado de muitos desafios, e o primeiro deles está no atendimento especializado, para realização do diagnóstico tardio, e o acompanhamento adequado, após o diagnóstico.

“Já fizemos acordo com o Núcleo de Auto Composição, com a Secretaria Municipal de Saúde. Então, nós já estamos tendo resultados positivos. Nosso objetivo maior é garantir o acesso destas pessoas, porque esta comunidade estava invisível mesmo aos olhos da sociedade, e, com isso, a gente quer galgar e dar espaço para elas”, defendeu a procuradora.

Evangelista afirmou ainda que estes foram apenas os passos iniciais. A luta pela garantia dos direitos das pessoas com TEA é uma demanda recorrente, e que deve ter ainda muitas outras ações neste sentido.

“Um dos atos mais importantes do Ministério Público foi a contratação da Bruna, que possui o transtorno e é assessora junto ao Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde da Pessoa Idosa e com Deficiência (Caop). Então, nessa questão da invisibilidade, o MP já mostrou uma forma de inclusão. Começamos com o exemplo. É isso que estamos fazendo”, destacou.

Além disso, o órgão realiza a campanha: “Lugar de autista é em todos os lugares”, ressaltando a necessidade da visibilidade para a comunidade, para a sociedade civil, para os gestores se sensibilizarem em relação ao TEA.

“Esta é uma população que, com o avanço da medicina, está sendo mais fácil de diagnosticar. E o que nós queremos é atender bem essas crianças, que são o futuro… eles vão crescer e isso é muito forte. E precisamos também incluir, porque estes adultos vão precisar de portas abertas”, destacou.

Mais uma ação de conscientização sobre o autismo, no Via Verde Shopping, em 2017, promovida pela Afac (Foto: Arquivo Afac)

 

Sonho

Benício Vieira, com os pais Neivo Camargo e a mãe Sebastiana Vieira (Foto: Arquivo pessoal) 

A jornada não tem sido fácil, mas, nos últimos tempos, há o vislumbre de dias melhores, o que permite que Bruna tenha sonhos básicos – e essenciais – para o futuro.

“Eu gostaria que as outras pessoas autistas também tivessem acesso a essa inclusão, também tivessem oportunidade de trabalhar em um ambiente acolhedor, e que entendesse as dificuldades delas. Que a gente possa ter acesso às terapias que são necessárias; viver em uma sociedade menos preconceituosa para com todas as pessoas com dificuldades ou deficiência; e a oportunidade de seguir os nossos sonhos”, enfatiza.

Esse sonho não é apenas da Bruna, é também de Neivo Camargo e de Sebastiana Vieira, os pais de Benício Vieira, de 4 anos, diagnosticado com autismo ainda bebê, com menos de um ano. Desde então, a rotina tem sido a correria entre a terapia, um profissional e outro, tudo para dar o melhor suporte ao pequeno. Mas, e no futuro, como Benício poderá encarar os desafios de um adulto autista?

“A gente luta para que ele adquira as habilidades necessárias para ter uma vida adulta independente. E, nessa luta, espero que a sociedade, acima de tudo, seja mais bem informada, porque a falta de informação a respeito do assunto cria um ambiente propício ao preconceito”, disse Sebastiana.

Ela continua: “a partir do momento que as pessoas entenderem e souberem o que é o autismo, elas deixam de temer essa condição. E, sem esse medo, há maiores possibilidades de inclusão dos adultos com autismo, seja na faculdade, seja no mercado de trabalho, e em diferentes esferas sociais. Conhecimento é, sim, uma ferramenta humana para combater o preconceito, e, com isso, meu filho vai conseguir ingressar numa faculdade, no mercado de trabalho, e por que não constituir uma família?!”.

Para buscar essas possibilidades, há várias pessoas engajadas na luta para garantir o direito de autistas, como o MPAC, e também a Associação Família Azul do Acre (Afac), que começou em 2011, com um pequeno grupo de mães e, atualmente, se consolida como uma associação.

Heloneida da Gama, que é a presidente da Afac, conta que, diante de tantas dificuldades para obter diagnóstico e terapias, decidiu fazer um ofício para o MPAC, falando da importância de ter um GT-TEA, o que foi atendido pelo órgão. Além disso, muitas outras ações têm sido feitas, ao longo destes últimos anos, para garantir tratamentos e inclusão para os autistas.

“A nossa luta, agora, é criar um centro de referência em TEA, para que possamos melhorar a qualidade de vida destas pessoas. Tendo uma base de estimulação precoce e um tratamento de qualidade, com certeza, elas conseguirão se desenvolver com mais facilidade”, defende.

Depois de anos na invisibilidade, Bruna sorri e fala de sonhos para o futuro (Foto: Alcinete Gadelha)

Diagnóstico precoce contribui para inclusão

A pediatra/neurologista infantil, Bruna Beyruth, explica que o transtorno de neurodesenvolvimento, incluindo o TEA, tem como evidência científica no seu tratamento, terapias multidisciplinares, tratamento neuropediátrico, além da inclusão escolar.

“A gente sabe que, no cérebro de todo ser humano, existe algo chamado neuroplasticidade, e que ela vai desenvolvendo a nossa capacidade de aprender. Essa capacidade ocorre na nossa infância, então, quanto mais precoce a gente conseguir fazer o diagnóstico, mais vamos conseguir dar o tratamento que esse cérebro precisa para que ele consiga se desenvolver, chegar no seu potencial máximo, para que, com isso, essa pessoa não tenha tantas dificuldades no futuro”, afirmou.

“Por isso, é muito importante tentar o tratamento de forma precoce. Não esquecendo que essa criança vai crescer, e que vamos precisar manter alguns níveis de intervenção nesse processo, até a vida adulta, com psicólogo, fono, terapia ocupacional, para que a gente consiga incluir esta pessoa, que fez um diagnóstico na infância, seja um adulto funcional, que esteja incluso no mercado de trabalho, nas escolas e onde for necessário”, enfatizou a profissional.

Como o próprio nome já diz: Transtorno do Espectro Autista é um transtorno, e as características dos pacientes variam muito, desde os casos leves, aos mais graves, mas, existem aspectos em comum. Até pelo diagnóstico ser clínico, a médica afirma que é preciso ter estas características muito bem estabelecidas.

Veja algumas destas características:

-Dificuldade de comunicação e socialização – que pode ser desde a dificuldade na comunicação até a ausência da fala;
-Dificuldade na interação com os pares, isolamento, não brincar com outras crianças;
-Dificuldade em estabelecer rotina ou o contrário, só querer rotina;
-Manias, tiques;
-Dificuldades sensoriais com corte de cabelos, por exemplo, barulho, andar nas pontas dos pés;
-Irritabilidade e agressividade devido à dificuldade na comunicação.

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