*POR RONALD POLANCO RIBEIRO E RAFAEL L.G. RAIMUNDO
A agenda global em discussão neste momento abre imensas oportunidades em termos de mercados para bioeconomias da Amazônia que sejam realmente comprometidas com a manutenção da floresta em pé. Nesse cenário, a continuidade de políticas públicas que incentivem cadeias produtiva causadoras de destruição de ecossistemas representa um caminho na contramão da história. Seguir nessa direção significa virar as costas para oportunidades novas que se abrem. Nos deparamos agora com uma janela de oportunidades única, quando ainda é possível uma reestruturação estratégica das políticas públicas para, ao longo de alguns anos, colhermos os benefícios socioeconômicos e ambientais do reestabelecimento do Acre como protagonista do debate global sobre desenvolvimento, inclusão e sustentabilidade. Olhando para esse novo contexto, apresentamos aqui nossa perspectiva sobre a urgência de formulação de uma Política de Estado de Inovação para o Desenvolvimento a partir das análises de um trabalho científico apresentado à sociedade acreana no final de 2022: o Diagnóstico Socioeconômico – Acre 60 anos: Passado, Presente e Futuro. Esse trabalho foi financiado por um pool de instituições locais que incluiu a Assembleia Legislativa, o Governo do Estado e o Tribunal de Contas do Acre. O Diagnóstico foi elaborado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR, da UFMG, um dos mais avançados centros de estudos sobre economia regional do país.
Em seu cerne, o Diagnóstico aponta um padrão preocupante sobre o potencial inovativo do Acre, descrito pela conjunção de desempenhos fracos quanto a três fatores-chave: 1) um número ainda pequeno de patentes depositadas junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI); 2) uma produtividade científica baixa e heterogênea entre campos do conhecimento, ainda que em crescimento; 3) um potencial ainda limitado para a formação de cientistas em áreas estratégicas. De forma alarmante, o Diagnóstico aponta que o Acre é, proporcionalmente , o estado com a menor produção científica e tecnológica no Brasil, considerando patentes e artigos científicos publicados por residentes. É urgente, portanto, a implementação de um conjunto de políticas públicas estrategicamente coordenadas para a reversão desse cenário, em médio prazo. Essa coordenação espaço-temporal de políticas mitigatórias, estruturantes e amplificadoras frente a uma visão de futuro sintonizada com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável é o que concebemos como uma Política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento. Ela só será possível se pudermos estabelecer as condições para a construção de pontes perenes entre as instituições que produzem ciência e tecnologia e sua aplicação direta em múltiplos setores da sociedade e da economia. Além de estratégias para a produção e serviços que alavanquem a economia, a delimitação dessa Política de Estado deve incluir mecanismos que garantam a criação e implementação de inovações sociais que se desdobram nos campos da educação, ambiente, cultura e governança.
Em consonância com o Diagnóstico, defendemos que o Acre articule uma Política de Estado que dê sustentação a um audacioso sistema de inovação voltado para o desenvolvimento local, diferenciado em relação a outros mercados do país e sintonizado com as tendências econômicas globais. Entende-se que a adoção de tal estratégia poderia levar o estado, ao longo de alguns anos, a uma condição de destaque em campos tecnológicos relevantes para a economia brasileira e ainda pouco explorados. Em síntese, neste artigo, propomos a articulação de uma Política de Estado de Inovação para o Desenvolvimento embasada no seguinte tripé:
- A reestruturação e o fortalecimento do Sistema Estadual de Inovação por meio da integração de políticas públicas e parcerias público-privadas que viabilizem:
- Incentivos a uma rede planejada de empreendimentos nos setores primário, secundário e terciário com base na inovação e tecnologias pautadas na promoção do desenvolvimento sustentável, em associação com instituições de pesquisa acreanas e parceiros nacionais e internacionais;
- A estruturação de estratégias de formação de lideranças locais na área de Ciência, Tecnologia e Inovação voltadas para os aspectos ecológicos, econômicos e sociais do desenvolvimento, visando a conversão dos ativos da biodiversidade em indutores do crescimento econômico e do desenvolvimento humano sustentável.
- Estruturação de políticas catalizadoras da inserção da cultura de desenvolvimento científico e tecnológico no âmbito do cooperativismo e de empreendimentos privados, visando:
- O fomento estatal a programas que viabilizem a absorção de jovens cientistas acreanos formados nos níveis técnico, de graduação e pós-graduação, alavancando fortemente a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) na iniciativa privada e assim evitando a “fuga de cérebros” formados localmente;
- Incentivos claros e atraentes para implementação de startups propostas por jovens cientistas e empreendedores formados localmente e para a atração de empresas de tecnologia externas em áreas estratégicas para a indução de cadeias produtivas delimitadas sob o paradigma da sustentabilidade.
- Fortalecimento da pesquisa de ponta e internacionalização na UFAC, no IFAC e na EMBRAPA, em associação com as comunidades locais e a iniciativa privada:
- Apoio à estruturação e fortalecimento de programas de pós-graduação em todas as áreas do conhecimento, com ênfase especial em campos-chave para a temática da sustentabilidade nas Ciências da Informação e Computação, Engenharias, Ciências Biológicas e Ciências Humanas e Sociais;
- Internacionalização da pesquisa com parcerias estratégicas com instituições internacionais que promovem pesquisa para inovação alinhada à sustentabilidade do desenvolvimento da Amazônia, expandindo a rede de parceiros nacionais e internacionais já existentes nos grupos de pesquisa do Acre;
- Reestruturação dos programas de financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Acre – FAPAC, através do incentivo a projetos temáticos indutores de redes de pesquisa envolvendo UFAC, IFAC e Embrapa, parceiros nacionais e internacionais e iniciativa privada.
Os processos estruturantes indicados acima estão embasados na noção de que o progresso econômico local dependerá de estímulos orçamentários orientados para a estrutura local de ciência, tecnologia e inovação e amplificados por uma rede de parcerias nacionais e internacionais. Um ponto de partida evidenciado pelo Diagnóstico é a concretização de investimentos sólidos para alavancar o número e a diversidade de grupos de pesquisa focados no desenvolvimento nas mais variadas disciplinas das Ciências Biológicas, Humanas e Exatas. Esse foco na diversidade da produtividade científica é um ingrediente fundamental para que as aplicações decorrentes possam dar conta do caráter multissetorial da construção da sustentabilidade e, genuinamente, apresentarem aos mercados externos inovações que respondam às demandas por uma produção ecologicamente sustentável, economicamente competitiva e socialmente justa. Um segundo fator que o Diagnóstico do CEDEPLAR evidencia é a necessidade urgente do incentivo ao desenvolvimento de patentes e outras formas de propriedade intelectual que estejam em sintonia com a realidade do Acre, tanto no que se refere às suas potencialidades bioeconômicas como aos direitos dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais.
No Diagnóstico, o CEDEPLAR destaca que as mudanças na economia global, especialmente a partir da década de 1970, direcionaram as atenções de pesquisadores e formuladores de políticas públicas para a importância da ciência e da tecnologia no processo de desenvolvimento econômico. No caso de regiões subnacionais, como é o caso do Acre, a literatura chama a atenção para as vantagens da escala geográfica reduzida como facilitadora da estruturação de uma rede de inovações, uma vez que favorece as relações de confiança e permite uma maior fluidez dos transbordamentos de conhecimento para todos os agentes econômicos, principalmente as empresas. Nesse sentido, temos uma oportunidade extraordinária de criarmos no Acre uma revolucionária rede de pesquisa conjugando (1) sólidas respostas às mudanças climáticas, por meio de uma estratégia de desenvolvimento de bioeconomias regionais que combinam conservação e restauração florestal, indução de empreendimentos competitivos internacionalmente e justiça social, (2) a potencialização da produção de conhecimento e patentes por grupos de pesquisa já estabelecidos nas ciências agrárias e nas ciências biológicas, com muitas publicações em parasitologia, agronomia, silvicultura, conservação da biodiversidade e agricultura, alavancada por novas parcerias estratégicas no Brasil e exterior e (3) a indução de novos grupos de pesquisa e empreendimentos associados na fronteira científica e tecnológica, tais como a microeletrônica, a biotecnologia, a ciência da informação e a indústria farmacêutica, incluindo também setores tradicionais, como a produção de alimentos e bebidas e a indústria têxtil.
Entendemos que cabe prioritariamente ao setor público estruturar estrategicamente políticas para integrar múltiplos processos potencialmente convergentes, como é o caso da CT&I, catalisando as capacitações internas em pesquisa e as interações entre os agentes do sistema estadual de inovação. Logo, essa Política de Estado teria como principal propósito induzir as condições para a otimização das parcerias institucionais que o amplo processo de desenvolvimento científico e tecnológico aqui proposto supõe.
Ao compartilharmos nossa visão sobre o Diagnóstico CEDEPLAR, à luz de uma caracterização, indicamos a necessidade de estruturação de uma estratégia ampla para o fortalecimento do sistema de inovação do estado, dado que se trata de uma região com características econômicas particulares e que precisa viabilizar uma estratégia de desenvolvimento diferente daquelas levadas a cabo em outras regiões do Brasil. Ele mostra o quanto é fundamental para a região conciliar progresso econômico com conservação e restauração ambiental, fazendo com que os ativos da biodiversidade local se convertam em indutores de competitividade econômica e desenvolvimento humano. O primeiro passo é contribuir para que a comunidade científica acreana compreenda as potencialidades e desafios que o presente momento histórico traz para a transformação de nosso território, pois o engajamento e participação dos cientistas acreanos como protagonistas na construção dos amplos processos aqui discutidos é condição necessária para podermos aproveitar as oportunidades que se abrem neste momento.
*Ronald Polanco Ribeiro (foto) é Economista, Mestre em Desenvolvimento Regional e Conselheiro do Tribunal de Contas do Acre
** Rafael L. G. Raimundo é biólogo, doutor em Ecologia pela USP e atualmente professor do Departamento de Engenharia e Meio Ambiente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tendo sido coordenador do Centro de Formação e Tecnologias do Juruá (CEFLORA/Instituto Dom Moacyr – 2006 a 2009)