Agora que já baixou a poeira sobre o bafafá no avião, eu vou falar. Só tem UM lado errado nessa história e é o lado da companhia aérea. Poltrona de avião não é cortesia, é produto. Produto já adquirido e pago pelo consumidor que a ocupa.
Conheci algumas pessoas pela vida (você também conheceu, ou talvez seja uma delas) que só conseguem se indignar com veemência diante de algo ligado a “direito do consumidor”. Não só o direito dela, os dos outros também.
Às vezes diante de uma notícia, essa pessoa se inflama, se altera, se afeta verdadeiramente ao saber de alguém que pagou por algum produto ou serviço e não recebeu o perfeitamente combinado.
Veja bem o caso da confusão num voo porque uma criança sentou no lugar que não era dela, a dona do lugar reclamou, a irmã da criança entendeu que ela foi ofensiva e partiu para cima e, no fim, tinha 15 pessoas se engalfinhando.
Não quero falar desse caso específico, ok? Quero falar dos comentários que li nessa e em outras notícias de casos semelhantes. E também coisas que li no perfil de amigos sobre o tema.
Penso que soa tão esquisita a energia que as pessoas colocam em defender o direito de alguém que comprou um lugar no avião de se sentar naquele número. Claro que se você escolheu o assento, você tem direito a se sentar nele. Não questiono isso. Se alguém pedir para trocar, você troca se quiser. Se não está a fim, não troca e chama os comissários se for o caso para garantir isso.
Mas eu só consigo imaginar uma pessoa passando por essa situação e depois se lembrando da dita cuja viagem, como um momento chato. Tipo “aff, a pessoa me pediu para trocar, mas eu não queria e disse não”. Como um contratempo, um incômodo, sabe?
Só que li por aí muitos comentários de gente que DESEJA passar por algo semelhante. Só para “ter o prazer de dizer não”. Isso mesmo que não faça a menor questão de continuar no assento que comprou, frisam.
Dizer não para colocar uma hipotética mãe “folgada” em seu devido lugar, e para ensinar uma criança a importância de viver uma “frustração”. Que coisa mais doentia esse desejo, essa sanha. Parece que é algo cada vez mais comum. Veja bem, ninguém precisa me dizer que é possível escolher lugares no avião e que mães e pais devem se programar. Só que eu sei que acontece na vida de uma família precisar viajar de última hora e não ter como escolher assento.
Outra coisa que me surpreende é a certeza que algumas pessoas têm de que imprevistos não acontecem. Essa mentalidade do direito do consumidor acima de tudo tem avançado em muitos sentidos em cima de mães e crianças. Corriqueiro encontrar pessoas defendendo com muita paixão o seu direito de não ser incomodada por uma criança, no avião, no restaurante, no teatro, em qualquer lugar.
Quando esse sentimento encontra uma situação real em que o incomodado de fato tem um direito específico envolvido (o de se sentar no assento que comprou) parece que algumas pessoas soltam um tanto de outras coisas que elas costumam represar. Daí existir esses que vão além e se deliciam imaginando a hipotética situação de dizer “não” para uma mãe com uma criança.
Se uma criança com necessidades especiais tem direito (e provavelmente tem, sim) a um atendimento especial, cabia à companhia providenciar. E não a outro consumidor. No fim, as duas famílias foram lesadas pela empresa e ambas teriam direito a reparações legais sérias por todo o ocorrido. Incluídos nessa reparação os danos morais pelo linchamento público de ambos os lados nas redes sociais.