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Estamos vivendo um apartheid emocional?

Ilustração: Anna Mastrangelo Jorge

Ai, ai, ai, ai, ai. E aí? O ano vai começar mesmo com tantas notícias tristes? É o terremoto na Turquia e Síria, desastres causados pela chuva, as pessoas atormentadas no meio da rua, perdendo o equilíbrio, pessoas adoecidas mentalmente, desemprego, aumento considerável em todos os setores da economia, principalmente para matar a fome… Falando em matar, quanta violência! É pai contra filho, e filho contra mãe, mentiras, falsidades, ui…ui…

É, meus queridos leitores devanetes, não tá fácil pra ninguém! E, hoje, dentro desse presenteísmo, fico a devanear sobre a eternidade dos dias de quem já está indo desse mundo, e cobro-me, insistentemente, pela atitude otimista, diante do caos. Aliás, o que tem surgido de livros com títulos que convidam a pensar o “caos”, não tá “escrito no gibi” (risos).

E é nessa mistura de humores que quero, aqui, dizer: não podemos perder o rumo do barco. Creio sempre que dias melhores virão ou, ao menos, que estaremos mais fortalecidos para lidarmos melhor com as adversidades.

Em meio as tristes notícias as quais, diariamente, somos assolados e ficamos, verdadeiramente, desconsolados, eis que, no dia 2 de fevereiro (dia de Iemanjá) – para mim não há acaso aos olhos da vida -, veio a triste notícia do falecimento de uma figura icônica da televisão brasileira. Quem não cresceu, da minha geração, em especial, vendo aquela mulher de fibra e punho, no ar das telas jornalísticas? Quantas que, tomadas pelo desejo de força da Glória Maria, não escolheu a profissão de jornalista?

Senhoras e senhores, fiquei pensando na trajetória desta grande mulher, segura de si ou, ao menos, procurando ser…Já que, nas entrevistas concedidas por ela, Gloria Maria não cansava, de forma destemida do olhar do outro, de falar sobre as fragilidades, vulnerabilidades humanas, buscando ser uma pessoa livre, e seguindo o lindo conselho de sua avó, que dizia da condição do escravo (privação do direito de ir e vir, sem autonomia) e que era preciso buscar sempre a liberdade. Ela seguiu tanto à risca dessa crença que, até mesmo em questão de relacionamentos, não temos muito o que falar, ela era descolada de qualquer figura amorosa, embora, sem dúvida alguma, que um espírito desse deve, sim, ter vivido dias muito felizes no amor.

Mas de todas as falas dela, fiquei, verdadeiramente, tocada por uma em especial: “As pessoas estão vivendo um apartheid emocional. Todo mundo quer direcionar sua vida, segundo os valores delas. E aí sou uma rebelde.” Ai, ai, ai, que profundo e atual esse olhar, essa fala, numa entrevista qualquer, dentre tantas, a um jornal, por um dia qualquer, de sua linda existência.

Ela falava sobre esse descolamento de um “coletivo”, no qual um sujeito, partindo, exclusivamente, de suas dores e dissabores, se vê fazendo escolhas, tomando decisões, sem olhar ao redor de onde vive, e implicando ao outro suas mais pobres mazelas. Se fizermos uso da expressão coloquial dos psicanalistas: olha o “lugar de fala” dessa mulher negra, filha criada com poucos recursos, e estudante de escola pública, vindo de antepassados que viveram a escravatura (!).

Fui procurar o significado estrito da palavra apartheid e achei somente o que precisava para esse artigo. É uma palavra que fala de separação e vem do idioma africânder. Mas, separar o quê?? Se somos pobres mortais, por que insistimos sempre em separar? E, por que estamos tão cindidos interiormente e dos outros?

Ora, não é deixando de sentir, não é deixando de buscar e não é se separando de “si mesmo“ que consideraremos melhores momentos. Mas, sim, posso garantir, é infinitamente no movimento oposto, nos movimentos sistêmicos, que falam em integrar, integralidade, inteireza.

E essa era a Gloria Maria. A presença INTEIRA dessa mulher passava confiança. Tanto que era conhecida por suas aventuras, coberturas de guerras, viagens exóticas, entrevistas ousadas, com personalidades mundiais de renomes, como a famosa com Freddie Mercury, Michael Jackson e, a tão falada da semana, Madonna.

Volto a considerar que, para vivermos dias de descontentamento, há que se buscar a integralização de todos esses horrores. É preciso sentir, revoltar-se, rebelar-se, refletir sobre si e para si, e aí, sem jogar “merda no ventilador”, fazer escolhas que possam colaborar com o outro, ajudar o outro e provar-lhe que somos todos capazes de pensar e ser livres. Parafraseado Dom Helder Camara, registro meu pesar a essa mulher que, corajosamente, fez o que pode com o que tinha…. e fez muito.

*Marcela Mastrangelo, mãe, filha, generosa, alegre e muito encantada com o mundo e suas curiosidades, amante da arte, música e qualquer expressão que traduza a subjetividade humana. Estudei Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Educação, Direito, vários cursos livres e habilitei-me para atender clientes que querem adentrar no mundo do autoconhecimento. Atualmente, dedico-me à formação da vida Psicologia. Nada mais que um ser humano em suas buscas…

*Anna Mastrangelo Jorge tem 11 anos, é estudante do colégio Anglo, em Rio Branco-AC, filha carinhosa e sensível, artista nata e conectada comigo e meus devaneios…

Marcela Mastrangelo: Marcela Mastrangelo é socióloga, bacharel em Direito, coach e terapeuta sistêmica e estudante de Psicologia.