E é nessa energia de perseguição que Dona Solange vai fazer uma escolha ruim, uma escolha que amargará por uns bons anos. Aqui, do caixa 3, sei porque cobri uma licença maternidade lá no St. Marche, lembro dessa mulher, conheço bem. Ela e os outros todos daqui e de lá.
Saem as duas juntas, na urgência do constrangimento e da raiva. Uma com a sacola infectada e a outra sem sacola nenhuma, se batem no corredor. Dona Solange faz muxoxo, Antônia não dá a vez, vinha na frente, e chega de ser besta. Elas subindo a ladeira em competição, as duas sentindo o joelho, uma ultrapassa a outra e, se brincar, vão seguir nessa toada até a Angélica. Lá volta o menino pra devolver o kefir e plaquinha. “Tomara que morra”. Não era um bom dia para o menino. “Nunca mais volto nesse lugar”, pensam os três.
Felipe, que não é o menino, também tem horror ao Mambo. Acha caro. Isso porque nunca foi no St. Marche. Mas o Mambo é o super que tem o melhor estacionamento. Não é pago, sempre tem vaga, sempre tem carrinho do lado dos carros, é pegar e descer. Tem degustação de manga e de melão e é essa a única porção de frutas que ele come durante o dia. Felipe separou há dois meses, a geladeira não chegou ainda. De segunda a sexta, depois do expediente do banco, ele vai direto pra academia e da academia para o super. Casa, trabalho, academia, super e casa, pra no resto do tempo estar disponível. Um telefonema da ex, é o que ele espera com essa disponibilidade toda. Há uma semana que treina com o short e a camisa do Palmeiras, a máquina de lavar também não chegou. E depois, era Isa quem dizia, tá na hora de trocar essa roupa, não tá? Felipe foi trocado e os dias têm sido como os do menino. Mas de uma coisa ele não descuidou, da proteína, religioso no frango do pós-treino, R$31,98 o quilo.
Felipe, quase um Hulk de tão forte e de tão verde, aponta no início da rampa. As duas mãos firmes no carrinho. Ele sente a vibração do telefone, solta uma, apalpa o short. Não está lá. Lembra da pochete, tenta abrir o zíper, solta rapidinho a outra. Agora uma mão segura o zíper e outra a pochete, se tivesse uma terceira pegaria o telefone. Elas se coreografam pra dar conta da tarefa, ele olha pra tela, é Isa vibrando na sua mão. Há quanto tempo Isa não vibra na sua mão. Respira fundo, calma Felipe, lembra do Augusto Cury, você é líder de si mesmo. Ensaia um alô, “alôu”, não assim não, mais grave, “ALÔ”, sô um pouquinho mais manso, pisca pro nada, “aalôooo”.
Antônia escuta o barulho das rodinhas, põe a mão pra frente como quem tenta impedir o tempo. Dona Solange está olhando pra trás, acabou de ultrapassar, provoca Antônia, cheia de dentes amostrados. Os dentes vivem seus últimos segundos grudados naquela boca e o intestino seus últimos de prisão. Isa muda de ideia, a linha cai.