Quando eu tinha uns 13, conheci um menino na escola, novato, recém-chegado como eu. Ele vinha de São Paulo e eu de Garanhuns, logo ali pertinho. Acho que já até contei desse menino uma vez por aqui. No primeiro dia de aula, nós dois abandonados ao lugar reservado aos forasteiros – aquele longe da conversa calorosa dos amigos que se reencontram em histórias de férias e abraços -, deveríamos ter sentado juntos. Deveríamos ter dividido nossas impressões sobre a escola nova e os colegas pouco receptivos, nada aproxima mais do que a raiva e a rejeição sentidas em conjunto. Mas não. Sentamos cada um em um canto. Nesse mesmo dia, numa dinâmica de filme de terror, o primeiro professor que entrou na sala nos pediu, somente aos novatos, que disséssemos o nosso nome e alguma coisa importante sobre nós para que a turma nos conhecesse. Não lembro do nome do menino, nem do que eu disse, mas lembro que disse: “me formarei ator, trabalharei como ator, sou do teatro”.
Daquilo nunca mais esqueci. O verbo conjugado assim no futuro, sem condicional, com pausas tão bem marcadas. O estabelecer as diferenças entre formação e trabalho. Esse “sou do teatro” que não deixava espaço pra nenhuma dúvida. A partir desse dia, eu quis morar em São Paulo, eu quis tomar forma, trabalhar, ser de algum lugar pra além de um estado, eu quis futuro.
Um fundamental, um ensino médio e uma faculdade depois, mudei pra cá. Engatei uma pós-graduação já no primeiro ano. Um dos colegas da pós namorava um ator da companhia Os Satyros. Aproveitamos um trabalho da faculdade para criar um cartaz do espetáculo que ele estava ensaiando. Nunca conheci o namorado ator, mas, pra mim, ele era como o menino.
No segundo ano de São Paulo, já me sentindo parte da cidade, soube que o apartamento na frente do meu receberia um morador novo. Encontrei o moço no hall, conversamos rapidamente, como bom paulistano, emendou no “Qual é o seu nome?” um “Com o que você trabalha?”. Respondi devolvendo a pergunta. “Trabalho como ator”, ele disse com a mesma certeza do menino. Estreitamos o convívio rapidamente, de vizinhos para vizinhos/amigos, de amigos para amigos/flerteirinhos. Ele falava no trabalho, eu enxergava a Praça Roosevelt, sede do Satyros, ele falava no cliente, eu via a platéia aplaudindo de pé. Uma noite, combinamos de sair. Ele interfonou avisando que atrasaria, precisava trocar o figurino antes de nos encontrarmos. “Imagina, é São Paulo, ninguém liga pra o que você está vestindo”, eu disse. “Vem cá vê o que tu acha”, ele respondeu. Fui.
Ele de Ronald McDonald, da cabeça ao pé enorme e vermelho. Era ator mesmo, mas ator do Mc. Rimos juntos de doer a barriga. A fantasia é isso, minha gente, 2%, tecido, paetê e cola quente e 98% o que a gente inventa na nossa cabecinha. Bom carnaval, queridos.