Opinião por Irving Foster Brown* e Aurinete Souza Brasil Freire**
Para começar, todas as pessoas nesta parte da Amazônia Sul-ocidental são migrantes ou descendentes de migrantes, mesmo os povos indígenas que migraram da Asia e chegaram cerca de 10 a 15 mil anos atrás[i]. Consequentemente, quando falamos dos “migrantes”, precisamos lembrar que eles somos nós no passado recente ou distante.
Quando Cabral chegou ao Brasil em 1500, a população mundial era cerca de meio bilhão de pessoas.[ii] Hoje o planeta tem oito bilhões de seres humanos e a previsão da ONU e das outras fontes indicam o adicionamento de meio bilhão até 2030 e mais um outro meio bilhão até 2037, daqui a 14 anos[iii]. Em outras palavras, em menos de duas décadas, vamos adicionar o dobro da população mundial que existia quando os europeus começaram a migrar ao Brasil. Obviamente, o potencial de migração humana está aumentando e muito.
As migrações humanas podem ser internas, de nacionais dentro do país, ou externas, quando outras nacionalidades adentram os países. No Acre temos os dois tipos. Em 2008, conflitos sociais e políticos em Pando geraram um movimento rápido de centenas de pessoas que procuraram abrigo nas cidades fronteiriças de Brasileia e Epitaciolândia,[iv] algo que levou meses para resolver.[v] De repente, foi necessário mobilizar em poucos dias abrigos, água, comida e apoio para centenas de pessoas nas cidades com o mínimo de estrutura.
Um terremoto no Haiti em janeiro de 2010 matou mais de duzentas mil pessoas[vi] e acelerou uma migração ao Brasil[vii]. O Acre ficou como uma entrada e local de estadia temporária para mais de 35 mil haitianos[viii] nos anos seguintes.
O que aprendemos sobre estes eventos que pode servir para o futuro? Primeiro, a situação pode agravar rapidamente, como o caso de centenas de bolivianos vindos de Pando em poucos dias em 2008. Os conflitos sociais atuais no Peru podem resultar em migrações rápidas no futuro próximo.
Segundo, o terremoto no Haiti mostrou como eventos podem influenciar muito as migrações na Amazônia. Quem poderia ter imaginado que mais de 2.000 haitianos seriam alojados em Brasileia/Epitaciolândia, como aconteceu em abril de 2014?[ix]
Além do crescimento populacional, temos os efeitos de mudanças climáticas e a previsão é de aumento rápido nestes efeitos. Em nossa região, agricultores, povos indígenas e coordenadores da Defesa Civil já estão percebendo as mudanças na disponibilidade da água, intensidade de chuvas, dificuldades em subir rios durante o período seco e ondas acentuadas de calor.
Em um artigo[x] de uma conceituada revista científica, pesquisadores indicaram que a Amazônia em 50 anos pode ficar tão quente quanto o deserto do Saara atual (mas com uma umidade maior que pioraria a situação), se continuarmos com as tendências de queima de combustíveis fósseis e das florestas. Em outras palavras, em poucas décadas, os migrantes poderiam ser nossos filhos ou netos, saindo da Amazônia.
Como estratégia atual seria importante ter planos de contingência para as emergências de fronteira em caso de um fluxo intenso de migrantes/refugiados de violência e de desastres naturais. Para este fim, precisamos uma Defesa Civil fortalecida, estruturada e proativa. A frase “Somos todos a Defesa Civil” precisa ser colocada em prática. O custo para realizar esta reestruturação seria bem menor do que os prejuízos causados pela falta de planejamento e preparação.
Como o filósofo George Santayana concluiu, “Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”[xi]. De 2010 a 2017 vivenciamos o impacto dos imigrantes haitianos, senegaleses e de outras nacionalidades de origem africana. De 2018 até os dias atuais estamos presenciando a chegada de venezuelanos, colombianos, chilenos, africanos e árabes. Recentemente, muitos haitianos fazem a migração reversa, passando pelo Acre, na tentativa de chegar aos Estados Unidos. Já temos experiência, basta aproveitar dela.
Há de se considerar que houve avanços no tema da migração internacional na região de fronteira Brasil-Bolívia-Peru, como a criação do Comitê Estadual de Apoio a Migrantes, Apátridas e Refugiados – CEAMAR. Também foram instaladas Casas de Passagem em Assis Brasil, Brasileia e Rio Branco. Porém, a capacidade destas casas é menos do que 50 pessoas e a infraestrutura e pessoas capacitadas estão aquém das reais necessidades.
A criação recente de uma sala de situação para a entrada de migrantes foi um passo positivo[xii]. Todavia é urgente avançar uma política pública que garanta o acolhimento dos migrantes e refugiados na fronteira do Acre. Este território jamais deixará de ser corredor migratório ou até mesmo a nova terra que dará o pão, tornando-se pátria de muitos.
É importante a capacitação continuada pela Defesa Civil em parceira com organizações da sociedade civil à rede de acolhimento, com foco na gestão de riscos e emergências com segurança e reduzindo impactos, tanto para os migrantes como para os munícipios. A formação continuada e projetos que dialoguem sobre racismos, xenofobia e todo tipo de discriminação são uma tarefa emergente também.
O secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, enfatizou: “Solidariedade é sobrevivência.”[xiii] Cremos que podemos praticar solidariedade com migrantes; afinal, moramos juntos num planeta pequeno e somos vizinhos. Quem sabe, alguém poderia ajudar os nossos filhos nas suas possíveis migrações no futuro. Boas ações têm uma tendência de se multiplicarem, ou podemos optar para um planeta onde o medo e o ódio do outro dominam.
Que escolha você prefere para seus filhos e netos?
*Irving Foster Brown – Pesquisador do Centro de Pesquisa em Clima Woodwell, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre.
**Aurinete Souza Brasil Freire – Mestranda de Pós-Graduação do Curso de Geografia da UFAC, Coordenadora Regional de Ações com Migrantes e Refugiados pela Cáritas Brasileira e Pastoral do Migrante da Diocese de Rio Branco, Acre.
Abrigo provisório, dezembro de 2008. Brasileia, Acre.
Migrantes, Brasileia, 2023.