Vou dizer uma coisa meio feia, mas é na chave da amizade. Só posso contar pra vocês. Tá rolando uma festinha aqui no prédio, uma trilha boa danada. Já tocou de um tudo, até uns Roberto Carlos antigos, dos que a gente gosta, sabe? Teve “você me abre seus braços, e a gente faz um país”, o povo cantando junto, no grito. Pelo coro devem ser umas 50 pessoas. Minha gente, tô numa inveja tão grande. Ah, quero ir.
Podia, né? Como se nada fosse. Eu levantava aqui da mesa, fechava o computador, tomava um banho de cinco minutos, não, pra que cinco minutos? De uma meia horinha que a bagunça tá com cara de que só acaba de manhã. Colocava qualquer coisa, um vestido, ou calça e blusa, nem sei. Daí fazia uma maquiagem com cara de nasci assim, mas caprichava no olho, pra também parecer que dei valor ao convite, embora nem haja convite. Um hidratante pra brilhar nas luzes, com essa música, tem que ter luz, e descia de escada mesmo. Nem sei quem é a dona do apartamento, mas não quero dar trabalho não, imagina, até jantar, já jantei. Chegava na simpatia, a dar beijo em que estivesse perto da porta. “E aí, como é que vocês tão?”. Aquela emburacadinha apartamento a dentro que a gente dá quando chega numa festa com muita gente, direto pra cozinha. Na cozinha mesmo já escorava no balcão, que tem sempre alguém com quem conversar escorado no balcão de qualquer cozinha de festa. Quando o alguém do balcão me oferecesse um golinho, eu não perguntava nem de que, já ia experimentando e tomara que não seja cerveja que sou intolerante a glúten, nem whisky que tenho horror a whisky, mas se for também, tem problema não, hoje é dia de festa. E aquele conversa besta, boazinha que só, toca um Tom Zezinho que a gente gosta, lá bora a gente pra sala já na mexida de ombro “e aí, como é que vocês tão?” pro povo da pista e Tom Zé vai, Tom Zé vem, daqui um pouco já tô bem paulista, chamando todo mundo de Rê, Fê, Má e Lu. Que amores os amigos da vizinha. Sei lá esse whisky, talvez eu que não conhecesse whisky bom.
E se ela cansar, se o dia já tiver amanhecido e eu, o amigo do balcão, Rê, Fê, Má, Lu, Tom, Zé, Roberto e Carlos ainda estivermos dançandinho até com o barulho do interfone mandando acabar com a festa, tá tudo certo, varri a sala hoje mesmo, bora lá pra casa. Eles vão dizer que amam atum quando souberem que de lanche só tem atum, pão sem glúten, salada, frango e batata doce que estou de dieta de proteína. Umas 8h da manhã, a gente sussurrando as fofocas da festa pra não aperrear o porteiro e comendo essa desgraceira em volta da mesa de jantar. De álcool não tem nada, porque minha nutricionista cortou pelos próximos 15 dias, mas bato um whey pra quem quiser. Espalho colchão pra todo mundo e “se virem aí que já vou deitar”. Lá pra de tarde, esse bando de desconhecido acordando de ressaca na minha casa, as latas de atum transbordando no lixeirinho da pia, o liquidificador preguento, tudo que é louça espalhada no balcão, e o cara do balcão já escorado a me perguntar onde eu guardo o café. Deus me livre, quero nada. Tadinha da vizinha que vai ter que lidar com o resto da festa amanhã, tenho energia pra isso mais não. Tomara que não se alonguem muito. Ué. Desligaram a música? Já? Que gente desanimada. Eu hein.