A floresta, a água, a vida são manifestações da natureza que guardam em si o princípio feminino, envolto em mistério e magia. Talvez por isso, a extrativista Sirlei Gomes da Silva, de 44 anos, sente-se tão à vontade em meio à floresta. O sonho de exercer o ofício de seringueira vem desde a infância, quando acompanhava o pai nas estradas de seringa. “Mas ele nunca me deixava cortar porque tinha ciúme das estradas dele, dizia que um corte errado podia prejudicar a seringueira”, relembra.
Como quem deposita uma semente na terra do sonho, Sirlei nutria a vontade de um dia cortar seringa. Somente depois de casada e após as complicações que o marido teve em decorrência da covid-19, ela conseguiu finalmente dedicar-se à função e agora se reconhece como uma mulher da floresta. “Antes eu estava na sombra do meu marido. Agora, eu tenho que me valorizar e reconhecer meu lugar”, comenta.
Sair desse “lugar de sombra” e reconhecer-se como mulher extrativista parece algo simples, mas representa uma grande conquista, principalmente, se considerarmos que, na história da ocupação da Amazônia, as mulheres foram invisibilizadas ao longo desse processo e, historicamente, os homens ocuparam os lugares de poder, de tomada de decisão e de reconhecimento. A desigualdade entre homens e mulheres na cadeia da borracha é reflexo, portanto, de uma estrutura social dominada pelo patriarcado e tem raízes profundas na formação social do Acre.
Sirlei é uma das 862 mulheres que participaram de oficinas promovidas pelo projeto Mulheres da Borracha, desenvolvido pela SOS Amazônia, Instituto de Desenvolvimento Social e Veja/Vert, por meio do Departamento Zelar, responsável pela política socioambiental da empresa. O projeto busca reconhecer, valorizar e ampliar a consciência das mulheres sobre a importância de sua participação na produção de borracha como também no ambiente familiar e social.
Com o lema “borracha sustentável é produção familiar’, o projeto evidencia que as mulheres também estão envolvidas nas diversas etapas da cadeia produtiva, desde o corte, passando pelo beneficiamento do látex até a comercialização. Para muitas mulheres, ainda é uma surpresa se reconhecer como seringueiras ou extrativistas, já que, até então, elas estavam condicionadas à função de ajudante e quem sempre respondia pela atividade era o pai, o marido, o irmão…
“Eu tinha uma consciência de que o produtor era somente aquele que cortava seringa. E eu aprendi com as oficinas que não. Se você ajuda em alguma etapa, você trabalha na cadeia e é uma produtora de borracha”, afirma a extrativista Nilva da Cunha, de 47 anos, liderança comunitária no Assentamento Campo Alegre, município de Capixaba.
A jovem Liliane Martins, de 29, nasceu em uma família de seringueiros, mas somente agora pretende se dedicar à atividade dos pais, tios e avós. Ao contrário do que aconteceu com outras mulheres de sua família, Liliane pretende cuidar de tudo e ficar em posição de destaque. “Minha avó contava que, antes, ela e o esposo trabalhavam na estrada de seringa, mas só quem levava o nome era meu avô. Sendo que ele somente abria a estrada e era ela quem cortava, colhia e defumava o látex”, diz Liliane.
Para reverter esse cenário, o projeto Mulheres da Borracha está alinhado aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU para que, até 2030, as mulheres estejam em equidade com os homens em relação a salários, informações, direitos e oportunidades. “Nós, da SOS Amazônia, temos esse privilégio de conduzir esse projeto pioneiro, específico para mulheres ligadas à cadeia da borracha”, celebra Gabriela Antonia, coordenadora do projeto Mulheres da Borracha.