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Vítima da enchente, motorista de aplicativo é internado na UTI com suspeita de leptospirose e família denuncia negligência

Além das perdas materiais, a enchente e vazante do Rio Acre escancara vários outros problemas a serem enfrentados pelo poder público, a exemplo da leptospirose – doença infecciosa febril aguda que é transmitida a partir da exposição direta ou indireta à urina de animais, principalmente, ratos.

O contato com a água da alagação tem gerado inúmeras enfermidades nas vítimas da enchente, a exemplo do motorista de aplicativo Richard da Silva Cardoso, de 40 anos, internado em estado gravíssimo, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Fundação Hospitalar, na última segunda-feira, 10, com suspeita de leptospirose.

Richard teve contato com as águas da alagação, no bairro onde mora, e começou a sentir os sintomas de leptospirose

Richard e a esposa Maria Lúcia Lima, 41 anos, moram no bairro Comara, área atingida pelas enxurradas e enchente. Com a residência alagada, Richard entrou na água para retirar os bens da família.

“Nós chamamos o Corpo de Bombeiros, mas eles não apareceram, e meu esposo teve que entrar na água. E ele acabou contraindo a leptospirose”, disse a esposa do motorista.

Na avaliação de Maria Lúcia, o quadro de saúde agravado de seu esposo é consequência de uma “negligência médica”, que teria ocorrido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Segundo Distrito de Rio Branco e Urap Cláudio Vitorino.

“Na quarta-feira passada [5/4], ele teve febre, daí, no outro dia, ele continuou com dor de cabeça e febre, chegou a achar que estava com dengue. Mas, ele não pode ir ao médico porque a filha [4 anos, autista] dele estava internada com dengue, e ele estava dando assistência. Meu esposo procurou o médico na sexta-feira [7/4], quando os sintomas começaram a se agravar, estava com muita dor no corpo, no joelho, nas articulações, na musculatura”, relembra Lúcia.

Ainda segundo a esposa, o médico de plantão não pediu exames, apenas passou uma medicação para dor [tramal] e depois liberou Richard para retornar para casa. “Ele ainda disse ao médico que tinha tido contato com a água e que estava com medo de ser leptospirose, mas o médico disse que não”, observa a esposa.

No dia seguinte, o sábado, 8, Richard acordou ainda pior e já não conseguia mais andar. Ao retornar à UPA do Segundo Distrito, o mesmo médico o atendeu e pediu um exame de sangue. “Eles disseram que ele estava com dengue e pneumonia. E ele não pediu outro exame, só passou mais uma medicação para que ele tomasse.

Ainda no sábado, o casal retornou à UPA e foi atendido por uma médica. Ao insistirem no exame para identificar se era leptospirose, Maria Lúcia conta que teve o pedido negado. No domingo, 9, após terem peregrinado pelo Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb) e Urap Cláudio Vitorino e não terem conseguido fazer o exame para testar a leptospirose, a família recorreu uma conhecida, que fez uma testagem que indicou a possibilidade alta da doença.

“Às quatro da tarde, após mostrarmos esse exame, a médica internou ele na UPA do Segundo Distrito, quando foi oito e meia da noite, o quadro dele começou a se agravar mais ainda, ele já não conseguia respirar. Às 21h, ele já precisava de uma UTI. Transferimos ele às 4h da madrugada de domingo para segunda. Às 5h30 de segunda, tiveram que entubar, porque o pulmão dele parou. Ele está 100% na máquina, o caso dele é gravíssimo”, observa Maria Lúcia.

Lúcia acredita que, se doença tivesse sido devidamente diagnosticada e exame feito em tempo hábil, o tratamento teria surtido efeito e marido não estaria na UTI: “Foi um descaso muito grande”

Richard tem uma filha de 4 anos, com autismo, que depende dele para cuidados. A família acredita em um milagre. “Estamos orando a Deus que ele faça a obra na vida dele, porque foi um descaso muito grande. Fomos três vezes na UPA, todas as vezes os médicos foram informados que éramos da área de enchente, meu marido chegou a pedir exame específico, mas o diagnóstico dos médicos era virose, depois dengue (sem exame), remédios para febre e dor e mandava pra casa. A gente andou demais, a gente pediu demais e ninguém deu a assistência que a gente precisava. Se tivessem feito o exame, se tivessem ouvido as queixas, somado com a situação em que estávamos vivendo, certamente o tratamento já teria dado resultado. Agora o estado de saúde se agravou de tal modo que somente a misericórdia de Deus”, afirmou Lúcia.

O que diz a Saúde

Ao site A GAZETA, o secretário de Estado de Saúde do Acre, Pedro Pascoal, afirmou que o exame para confirmar se, de fato, o motorista de aplicativo contraiu leptospirose deve sair ainda nesta quarta-feira, 12.

“Existem alguns equívocos. Por exemplo, o paciente se encontra na UTI da Fundação, assistido por toda a equipe, o quadro dele é um quadro grave, de fato, ele foi entubado por insuficiência respiratória. Não por outra causa. Ele tem, sim, uma epidemiologia positiva para leptospirose, não tem um exame confirmando ainda. Nós ligamos na Fiocruz, o Lacen está acompanhando, provavelmente o resultado saia hoje, no final da tarde”, explicou o gestor.

De acordo com o secretário, um paciente com suspeita de leptospirose não depende do teste para iniciar tratamento. “O tratamento é com um antibiótico básico, que tem disponível nos postos de saúde. Então, o médico quando vê epidemiologia positiva, contato com a água de enchente, com sintomatologia referida, se for referido de leptospirose, ele já pode iniciar o tratamento. Nós reforçamos a equipe, fizemos um treinamento de leptospirose”, destacou Pedro.

Ainda segundo o gestor, alguns pacientes desenvolvem a síndrome de weil. “Nós temos um percentual de pacientes que evoluem com a síndrome de weil, que é forma grave da leptospirose”, frisou.

Quanto ao caso de Richard Cardoso, Pedro Pascoal afirmou que “a assistência da UTI está sendo feita da forma adequada, ele iniciou antibiótico quando deu entrada no Pronto Socorro, foi devidamente transferido para uma Unidade de Terapia Intensiva e está sendo assistido”, disse.

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