“Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre!”
O trecho da canção de Milton Nascimento, um dos artistas mais influentes da música brasileira, também serve de enredo para traduzir a vida de Maria Zulmira da Silva, a ‘Maria Preta’, de 66 anos de idade, que criou sozinha o filho e, com muito esforço, lhe proporcionou a oportunidade para se formar em advocacia.
Em entrevista à GAZETA, a nordestina, natural de Cacoal, no Piauí, que chegou ao Acre em 1982, adotando o Estado como sua terra, falou um pouco sobre suas lutas, que também é a de muitas Marias, que misturam a dor e a alegria.
“Nasci em um povoado no Piauí, distante cerca de 450 quilômetros da Capital, Teresina, em uma comunidade conhecida como Veredão Maria Preta, daí o meu nome, ou como sou mais conhecida, também em homenagem a uma escrava, nascida e criada naquelas bandas”, contou Maria.
Com Maria, a vida foi dura, desde muito cedo, e ainda moça ela descobriu as duras marcas e exclusões do racismo.
“Perdi meu pai com 12 anos. Depois de muito tempo, decidi vir para o Norte, em Rondônia, isso no início dos anos 80, com uma família que era bem próxima de onde nasci. Foi então que começou minha saga por essa região. Tinha feito alguns concursos no meu estado, passei, mas não fui chamada por ser negra, por isso, decidi mudar o roteiro da minha história. Sou formada em técnica contábil, porém, nunca atuei na área devido ao preconceito em relação a minha cor de pele”, relembra a mãe.
Esforço que valeu a pena
Para driblar o racismo e sustentar a família, Maria Preta já fez de tudo um pouco. Como mãe solo e uma mulher negra, a tarefa foi ainda mais árdua. Mas, ainda assim, o caminho dessa mulher que ‘traz no corpo a marca e mistura dor e a alegria’, como bem narra a canção, é repleto de superações.
“Lutei muito para criar meu filho, tive que ter várias profissões, porém, o esforço valeu. Comecei trabalhando como empregada doméstica, no entanto, fazia de tudo, fui carpinteira, pedreira e o que mais tinha para fazer. Aliás, a casa onde moro, em Rio Branco, no conjunto Bela Vista, foi eu que construí”, destacou.
Ao falar sobre o filho biológico, Jackson da Silva Araújo, de 33 anos, formado em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (Unir), Maria Preta se emociona.
“”Jackson é meu orgulho! Minha vida não teria sentido se Deus não tivesse me enviado ele. Apesar de tudo, de não ter o apoio do pai, consegui vencer e dar o melhor para ele. Ajudava nos estudos, mandava dinheiro para ele. Todo esforço não foi em vão. Sou feliz por tudo. A fé foi que me sustentou durante todo esse tempo. Não tive ajuda do pai, tendo que seguir sozinha”, revelou Maria Preta.
O coração grande de Maria fez com que ela também desenvolvesse amor materno pelos filhos dos ex-patrões.
“Adotei os filhos dos meus patrões, meus amigos, na época, que vim para o Norte, como se fossem meus, tendo um carinho muito grande por eles. São três, duas mulheres e um homem. Todos já formados e com suas famílias”, disse a mãe orgulhosa.
Gratidão
Sempre esperançosa, tendo como cartão de visita um sorriso sincero no rosto e um olhar marcante, Maria Preta, hoje aposentada devido a problemas de saúde, manda um recado à todas as mães, que celebram seu dia neste domingo, 14, de Dia das Mães.
“Agradeça sempre a Deus por tudo. Quero que os meus filhos tenham uma vida maravilhosa, para que, no dia em que eu fizer a ‘passagem’, todos estejam bem. E para as mães, que são mães, peço que continuem cuidando de suas famílias, seus filhos e netos. Tudo na terra é só uma passagem, e se a gente não aproveitar o que a vida tem de melhor ao lado das pessoas que amamos, nada terá válido a pena. Um feliz Dia das Mães e todas as mulheres guerreiras”.