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O que se sabe sobre o grupo que usou veneno de sapo em ritual

O Fantástico deste domingo (28) exibe uma reportagem sobre o grupo xamânico de São Paulo acusado por participantes de usar, sem aviso, uma substância psicodélica proibida no Brasil. O caso foi revelado pelo g1 no início da semana.

Os relatos citam crises de pânico e de ansiedade, surtos psicóticos, problemas respiratórios e pensamentos suicidas entre os efeitos adversos ocorridos após sessões em que foi administrado um veneno de sapo conhecido popularmente como bufo.

Ele é fumado em rituais e cerimônias ditas religiosas e espirituais no exterior e no Brasil, liberando o psicodélico 5-MeO-DMT, que está na lista de substâncias proibidas Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A espécie da qual ela é extraída é a Bufo alvarius (renomeada Incilius alvarius), encontrada no México e nos Estados Unidos.

Os entrevistados dizem que não foram informados da ilegalidade do produto. Já o Instituto Xamanismo Sete Raios, onde ocorreram os cultos, afirma ser alvo de perseguição religiosa.

Uma das denúncias partiu da advogada Gabriela Augusta Silva, de Goiânia, que em 21 de outubro de 2021 viajou à capital paulista. Ela conta que, depois de inalada a substância, perdeu a consciência. Sem histórico anterior de problemas de transtornos mentais, chegou a ser internada em um hospital neurológico.

Depois, passou a frequentar o psiquiatra e a tomar remédios controlados. Só quando procurou um médico é soube que a substância inalada é proibida no Brasil.

O que dizem as denúncias?

O g1 ouviu Gabriela e outras pessoas que relataram terem participado de rituais com o suposto uso do veneno promovidos pelo Instituto de Vivências Xamânicas Xamanismo Sete Raios, que tem mais de 200 mil seguidores nas redes sociais e é baseado em São Paulo.

Em todos os relatos, um padrão se repete:

– os participantes não foram informados sobre a ilegalidade da substância;

– não assinaram termos de responsabilidade;

– não foram acompanhados depois das sessões;

– quando questionaram os integrantes do Xamanismo Sete Raios a respeito de efeitos adversos posteriores, ouviram se tratar de algo “normal”.

Nos casos ouvidos pelo g1, essas condições não foram garantidas aos participantes de rituais com o veneno do Bufo alvarius – com o agravante de que, segundo eles, não foram informados sobre a ilicitude da 5-MeO-DMT no Brasil.

Esses participantes relatam que, em retiros, eventos e na comunicação on-line, integrantes do Xamanismo Sete Raios sempre se referiram ao veneno do sapo com naturalidade como uma “medicina”.

A comissária de bordo Franciele Roggia sofria de depressão e ansiedade e fazia uso de remédios controlados quando procurou o grupo.

“Me mandaram um documento explicando o que era o bufo. Nesse documento, chamam a substância de ‘medicamento’ e dizem que ela cura doenças físicas, mentais e emocionais”, conta ela, que pagou R$ 700 para um ritual em que seria administrada a substância, em abril de 2021.

“Eu me deixei levar por aquilo, porque estava nessa busca de melhorar, fui na onda.”

Sobre a administração do veneno pelo Xamanismo Sete Raios, o professor de yoga Rafael Verçosa diz: “Em 20 minutos, termina, vai para casa e pronto, acabou. Não tem nenhum acompanhamento, nada”.

Ele diz que fez amizade com o sócio e outros integrantes do grupo, passando a frequentar alguns retiros, nos quais conduzia práticas de yoga. Afirma ainda que não era pago pelo grupo. As aulas seriam uma troca pela participação nos eventos.

“Eu vi pessoas saírem completamente afetadas, precisando de ajuda. Uma vez até cheguei a sugerir que talvez eles devessem incluir um acompanhamento psicológico depois. Mas o foco sempre foi conseguir mais pessoas”, conta ele que, após criticar publicamente o grupo via redes sociais, não mantém mais contato.

Quais são os efeitos da substância?

Quando inalada, a 5-MeO-DMT produz intensas experiências psicodélicas, que podem incluir alucinações. Em estudos observacionais, participantes relataram sentimentos de unidade com os outros e com o ambiente, além de sensações de dissolução de limites e do ego.

Em um desses estudos, voluntários saudáveis que usaram a secreção do Bufo alvarius apontaram melhoras em sintomas de depressão, ansiedade e estresse após uma única inalação.

Entre os efeitos adversos observados estão medo, tristeza, ansiedade e paranoia, além de problemas cardiovasculares e respiratórios.

Mas foram os potenciais benefícios que aumentaram a popularidade do bufo em retiros no México – onde é legal – e nos Estados Unidos – onde a substância é proibida, assim como no Brasil. Ainda precisam ser feitos estudos científicos com maior número de voluntários para melhor compreensão dos benefícios e dos riscos.

“O que a gente já sabe sobre os efeitos da 5-MeO-DMT está muito alinhado com o que sabemos sobre os efeitos de outras substâncias psicodélicas”, afirma Dráulio Araújo, professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e pesquisador dos efeitos da ayahuasca há 20 anos.

O instituto, que é referência em pesquisas com psicodélicos, não trabalha com a 5-MeO-DMT, mas com substâncias similares da classe das triptaminas.

“Do ponto de vista físico, está muito claro que essas substâncias não matam, não causam overdose e não causam tolerância [dependência química], mas claro que há grupos de risco”, diz ele.

“Nada é seguro para todo mundo, nada é para todo mundo.” Já do ponto de vista psicológico, explica o pesquisador, os usuários podem ter diferentes experiências marcantes e significativas, por isso, preparação anterior e acompanhamento posterior são essenciais.

“Particularmente no 5-MeO-DMT, é comum pessoas relatarem que tiveram a sensação de que morreram. Não é trivial”, diz ele. Segundo Araújo, uma experiência psicodélica segura precisa garantir:

– a pureza da substância utilizada, seja ela qual for, e a dose adequada;

– indivíduos aptos para o uso – no laboratório do Instituto do Cérebro, pessoas com doenças cardiovasculares, gravidez, depressão, transtorno bipolar e risco de esquizofrenia não entram nos estudos, por exemplo;

– condições adequadas para o uso, que incluem ambiente seguro e acompanhamento prévio e posterior – seja em uma pesquisa científica ou no contexto religioso. Araújo dá o exemplo de igrejas que administram ayahuasca – autorizada no Brasil para uso religioso – de forma responsável, com protocolos específicos.

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G1

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