Um dia minha mãe chegou em casa eu estava adiantando a comida, pois adorava almoçar com ela ao sair da academia faminta.
Esbaforida disse que havia se encontrado com uma amiga que falava com os cachorros como se estivesse falando com gente.
A imitação da fala dirigida ao animal de estimação torna qualquer um ridículo, eu mesma faço isso com minhas filhas Genoveva (gata) e Becky (cachorra). Jamais me imaginei descendo a nível tão baixo; tomando-me como referência.
Vi sua doce figura misturada nas relações que levam em consideração o outro, pois do contrário teríamos que imaginá-la em vestes autoritárias, colocada acima de gente comum que tanta graça nos faz. Questionando o entendimento compreendemos o problema.
Quando minha mãezinha falava, ficava admiravelmente engraçada a declinação caipira do matuto de Epitaciolândia, na sua língua, o humor só faz sentido no meio social que se compreende nas relações envolvendo as pessoas que dão sentido a ação em seu caráter comunicativo e compreendem o riso pela sua tirada única.
Guimarães Rosa foi incrível quando recriou a língua para o seu agrado e terminou enriquecendo a literatura brasileira, não só desenvolvendo uma virtualidade da língua portuguesa como trazendo a realidade do sertanejo para o centro dos estudos que se mostram capazes de explicar o conceito de integração.
Pois bem! Voltemos ao caso da dama dos cachorrinhos, o argumento dela era que com o envolvimento mais afetivo, que aproxima o homem dos animais, as pessoas ficam mais humanas, logo acreditam poderem deduzir-se pessoas boas e até melhores do que as outras.
Mas acentuou que o cuidado exagerando é prejudicial, por acostumar o animal ao excesso de carinho tornando o bicho dependente, e a gente sabe que a dependência fica sufocada sem condições de desenvolver-se livremente.
Eu sou uma dessas; quando demoro fora de casa fico pensando nas minhas meninas. Se comeram, beberam água, se também estão com saudades de mim.
Ela continuou refutando: se tem algo de besta e de mau gosto é tentar fazer o cachorro falar, mas minha gatinha fala “mãe” e compreende tudo que digo, assim como minha cachorra (essa não fala. Só com o olhar).
Se a gente faz a comparação e pega o processo de intelectualização que desenvolve a potencialidade da língua de alguns animais sim, para fazer história, mas compreendamos que no movimento contrário é um processo de idiotização que torna as pessoas inúteis. Disse a mulher que habitava uma casa enorme, quase no centro da cidade e criava um papagaio que sabia o nome de todos que a visitavam, um quintal cheio de galinhas que ela não permitia que matassem; só as penosas compradas no “mercado velho”, por isso sumiam, deixando-a louca de raiva. Criava cachorro e todos os gatos de rua que aparecessem na casa dela. Os alimentava, mas não os tocava. Só falava com o papagaio.
Penso que não devamos existir para alguma finalidade, não é isso, mas eu ficaria feliz em saber que não estou condenada a viver sem razão, como? Não seria loucura porque os loucos não são idiotas; um idiota você despreza e nem se dá ao trabalho da crítica.
São 11 meses e 23 dias de saudade, também de risadas aleatórias e espontâneas pela vida dura, divertida e inteligente que teve em sua passagem pela terra.