A viagem teve início em Rio Branco, capital do Acre, até a cidade de Feijó, distante cerca de 360 quilômetros de estrada esburacada, o que faz aumentar de cinco para sete horas o tempo de deslocamento. Em Feijó, pausa para uma noite de sono, a fim de recuperar as energias para a navegação do dia seguinte. A viagem de barco pelo Rio Envira levou cerca de oito horas em uma embarcação com motor de média potência. Depois do longo percurso pelo sinuoso rio de águas barrentas, a equipe formada por mulheres finalmente chegou à comunidade Santa Rosa, localizada às margens do Rio Envira.
Ao atracar na beira do rio, desembarcaram Gabriela Antonia, Eliz Tessinari Fernanda Fernandes, Débora Almeida e Viollete Combe. Por lá, 18 mulheres, em sua maioria extrativistas e agricultoras familiares, estavam à espera para participar de oficina realizada no dia 7 de junho pelo projeto Mulheres da Borracha, desenvolvido pela SOS Amazônia, Instituto de Desenvolvimento Social e Departamento Zelar, responsável pela política socioambiental da empresa Veja/Vert. A emoção do encontro é ainda maior porque é a primeira vez em que essas mulheres participam de uma oficina dedicada exclusivamente ao empoderamento feminino e ao protagonismo da mulher na cadeia extrativista da borracha.
O ciclo de oficinas do projeto Mulheres da Borracha já alcançou cerca de 900 mulheres residentes em reservas extrativistas, projetos de assentamento e comunidades rurais de quase todos os municípios do Acre. Com o lema ‘borracha sustentável é produção familiar’, o projeto evidencia que as mulheres também estão envolvidas nas diversas etapas da cadeia produtiva, desde o corte, passando pelo beneficiamento do látex até a comercialização.
Para muitas mulheres, ainda é uma surpresa se reconhecer como seringueiras ou extrativistas, já que, até então, elas estavam condicionadas à função de ajudante do homem e quem sempre respondia pela atividade era o pai, o marido, o irmão… Na cadeira da borracha, Maria José da Silva sabe fazer quase tudo: raspa, corta, colhe, coalha, imprensa, lava e, mesmo assim, não se sentia empoderada o suficiente para se definir como seringueira.
“Eu gosto muito de trabalhar na zona rural, gosto de limpar o roçado, gosto de trabalhar na floresta. Eu nasci e me criei na floresta e sou grata por ter criado meus filhos todos trabalhando na floresta. Antes, eu achava que só ajudava, mas agora eu sei que sou seringueira também e estou muito alegre de ter aprendido agora o que eu nunca aprendi na minha vida”, conta a extrativista.
Sair desse “lugar de sombra” e reconhecer-se como mulher extrativista parece algo simples, mas representa uma grande conquista, principalmente, se considerarmos que, na história da ocupação da Amazônia, as mulheres foram invisibilizadas ao longo desse processo e, historicamente, os homens ocuparam os lugares de poder, de tomada de decisão e de reconhecimento. A desigualdade entre homens e mulheres na cadeia da borracha é reflexo, portanto, de uma estrutura social dominada pelo patriarcado e tem raízes profundas na formação social do Acre.
Há quase 20 anos, a empresa francesa Veja/Vert utiliza borracha nativa para fabricação de tênis. Com o passar dos anos e a proximidade da empresa com as famílias produtoras de borracha, constatou-se que eram os homens quem estabeleciam a relação comercial, embora as mulheres também participem das diversas etapas da cadeia de valor. “A gente sempre falou do seringueiro, do produtor, mas agora a gente está falando de famílias produtoras, famílias seringueiras, porque a mulher faz parte da nossa cadeia da borracha, ela participa muito na unidade de produção. Por isso essas oficinas são estratégicas para mudar a percepção do papel da mulher dentro da cadeia da borracha”, diz Violette Combe, coordenadora do Departamento Zelar.
Débora Almeida, do Instituto de Desenvolvimento Social (IDS), explica que a metodologia adotada nas oficinas busca facilitar a compreensão das mulheres para que elas se reconheçam como integrante da cadeia da borracha e possam replicar as informações com outras mulheres de suas comunidades. “Elaboramos uma metodologia que fosse leve, suave, divertida, mas que também tocasse no coração das pessoas e que tivesse uma didática que fosse esclarecedora. São mulheres que não estão habituadas a participar de reuniões como essa e então tudo precisa ser bastante dinâmico para que elas saiam daqui com mais informações e, com isso, estar em pé de igualdade com os homens na tomada de decisão e para se reconhecer como trabalhadora rural”, explica Débora.