Na academia – Você vai fazer uma aula teste fingindo que vai se matricular – você sabe que é feio, mas sente falta da musculação e não achou academia que cobre o dia avulso; mentira, você nem se deu ao trabalho de procurar muito. Mas enfim, você vai fazer uma aula teste na academia e o instrutor vai te ensinar como usar o leg press – empolgada com a ficção você cria uma personagem que nunca frequentou uma academia. Pra quê isso? Escuta, não complica. Você vai fazer uma aula teste na academia e o instrutor vai te ensinar como usar o leg press. O leg press já com duas anilhas de 20kg engatadas na máquina. Bem os seus 40kg. O instrutor no “atente ao joelho e ao tornozelo, inspira aqui, expira acolá, 3 de 12, já volto”. E você lá, 1, 2, 3, inspira, expira. Ele pega o microfone e solta um “atenção, você que usou o leg press e deixou as anilhas, guarde as anilhas, ninguém é empregado de ninguém pra ficar recolhendo bagunça não. É muito chato para o professor ter que ensinar o básico. É como ter que ensinar a escovar os dentes, sabe? Ah, é pesado. Mas pra fazer seu treininho, num instante tem força, né não. Largue de ser mal educado, meu querido. A aluna nova aqui e a gente passando vergonha”. No microfone. No microfone.
No supermercado – Você sai pra comprar verduras, encosta na banca de cebolas e se decepciona com a aparência sofrida das coitadas das cebolas. Você também é pernambucano e puxa conversa com o moço que repõe cebolas feias por cebolas horrorosas. “Ô, rapaz. Estão tão feinhas”. E ele, “muita chuva, né?”, o sol a toda lá fora, “mas, não se aperreie não, isso é cebola de inverno. É feia, mas é gostosa, tira essa capinha de cima, ó, tá linda, vê mesmo, parece cebola de verão”. Vocês engatam uma conversa sobre a mudança climática, e passa a moça da degustação de café, e os dois escoram na barraca, e tomam café, e encosta mais uma senhora, daqui há pouco estão mandando beijos pros filhos um do outro e “tudo de bom, pra vocês”. Você chega em casa sem 3 itens da lista e com 12 cebolas de inverno que sim, têm gosto de cebola de verão – 3 de 12.
No aeroporto – Você esqueceu de tirar o computador da mochila e o telefone do bolso. Apita dentro e fora da máquina, vai criando atrás de si uma fila, se angustia com a distração e se distrai com a angústia. Você se percebe incapaz de resolver o básico. Volte, coloque o telefone na bandeja, peça desculpas pelo computador, passe de novo e deu. Ninguém da fila reclama. A moça do raio x te olha no olho e te solta um “não tem pressa, venha tranquila”. E não é ironia. “Não tem pressa” no aeroporto. No aeroporto. Você volta, coloca o telefone na bandeja, pede desculpas pelo computador, passa de novo e deu. A moça, “olha aí, conseguimos, boa viagem, minha linda”. Minha linda no aeroporto. Deus me livre de não ser pernambucana. Voltei. Mas nunca foi embora. Boa semana, queridos.