A descoberta de um fóssil de dente no interior do Acre revela uma nova espécie de primata e traz à luz a história da chegada dos primeiros macacos às Américas. Batizado pelos pesquisadores como Ashaninkacebus simpsoni, o pequeno primata habitou a região amazônica brasileira há mais de 35 milhões de anos, e seu fóssil foi encontrado nas margens do alto Rio Juruá.
Através de um único dente fossilizado, esse primata recém-identificado fornece informações valiosas sobre o tamanho e a dieta dos primeiros macacos que colonizaram a América do Sul, vindos da África há milhares de anos. O estudo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences USA (Biological sciences – Evolution) na última segunda-feira (3).
O achado foi feito por uma equipe composta por paleontólogos e geólogos do Brasil, França e Argentina durante expedição no oeste da Amazônia brasileira, e está redefinindo a compreensão sobre as origens dos macacos no continente americano.
É que, até então, acreditava-se que dois grupos distintos de primatas antropoides de origem africana haviam colonizado a região há cerca de 30 milhões de anos. No entanto, o fóssil do Ashaninkacebus desafia essa concepção, sugerindo a presença de um terceiro grupo de primatas antropoides na colonização da América do Sul.
“A descoberta do Ashaninkacebus simpsoni possui uma relevância mundial para o estudo da evolução dos primatas. Além de contar parte da história dos macacos que ainda habitam nosso continente, ele ajuda a compreender os eventos biogeográficos ocorridos durante o Paleógeno (66-23 milhões anos atrás). Já sabíamos que dois grupos de primatas de origem africana haviam chegado a América do sul há pelo menos 34 milhões de anos, e agora, Ashaninkacebus relevela que um terceiro grupo também chegou aqui”, disse o paleontólogo da Universidade Federal de Santa Maria que participou da pesquisa, Leonardo Kerber.
Conexão biogeográfica
Uma das surpresas para os pesquisadores foi a constatação de que os dentes do Ashaninkacebus são morfologicamente mais similares aos dos primatas do sul da Ásia, conhecidos como Eosimiidae, do que aos primatas africanos previamente considerados. Isso indica uma conexão biogeográfica entre a África, a Ásia e a América do Sul durante esse período.
Os pesquisadores acreditam que a Afro-Árabia, que era um continente-ilha naquela época, desempenhou um papel importante como parada biogeográfica para os primatas em sua jornada da África para a América do Sul. Essa rota terrestre através de ilhas flutuantes naturais teria sido favorecida por intensos fenômenos meteorológicos, como fortes inundações, que ocorreram há cerca de 40 milhões de anos na África Ocidental.
A análise do fóssil também revelou que o Ashaninkacebus era de tamanho muito reduzido, semelhante aos saguis que são encontrados atualmente, e sua dieta consistia principalmente de insetos e possivelmente frutas. Essas características podem ter aumentado as chances de sobrevivência de seus ancestrais durante a travessia do Atlântico para a América do Sul.
A descoberta do Ashaninkacebus e a reavaliação de formas enigmáticas de primatas fornecem uma nova perspectiva sobre as origens dos macacos do Novo Mundo. Além disso, contribui para entender a evolução dos primatas e roedores na América do Sul, que são considerados um dos grupos de mamíferos mais diversos da Região Neotropical.
A pesquisa foi realizada por uma equipe multidisciplinar composta por professores, pesquisadores e estudantes do Museu de Ciências Naturais da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal de Santa Maria, da Universidade Federal do Acre (campus Floresta), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Universidade de Brasília e da Universidade de São Paulo. Essa colaboração internacional permitiu uma análise abrangente e aprofundada desse importante achado paleontológico na Amazônia brasileira.
A descoberta reforça a importância da preservação da Amazônia, que abriga um tesouro de informações sobre a história da vida na terra.
“Essa descoberta só demonstra o imenso potencial científico que a Amazônia possui. Hoje a Amazônia apresenta uma das maiores biodiversidades do planeta e isso deve ser motivo de orgulho para nós, brasileiros, já que grande parte dela encontra-se em nosso país. Além da biodiversidade atual, existem muitos depósitos fossilíferos cujo conteúdo é único. Ou seja, exclusivo da região amazônica. Há décadas, cientistas da Ufac, com colaborações de pesquisadores de outras universidades nacionais e internacionais, realizam expedições paleontológicas no interior amazônico, revelando através dos fósseis como a maior floresta do mundo evoluiu através do tempo. As barrancas dos rios que cortam o estado do Acre apresentam um riquíssimo patrimônio paleontológico e cada nova descoberta representa uma peça do quebra-cabeça que os cientistas tentam montar. Esse quebra-cabeça é justamente a complexa história da Amazônia nos últimos milhões de anos”, afirmou Kerber.
Portal G1 Acre