Acordei cedo no domingo. Caiu uma chuva longa aqui no sábado à noite e eu deitei antes das 10h pra aproveitar o barulho e o fresco. Água, água, água por horas. Talvez eu tenha sonhado, porque, segundo o relógio, entrei no sono profundo em 15 minutos. Mas talvez tenha sido isso mesmo porque a cidade acordou lavada. Eram umas 6h quando eu abri o olho. Naqueles minutinhos de telefone antes de levantar, vi que, no domingo mesmo, Tiganá Santana ia cantar Milton Nascimento acompanhado de Conceição Evaristo no Sesc Pinheiros. Tiganá Santana, Milton Nascimento e Conceição Evaristo. Tu entende? Fui no site do Sesc sabendo que estaria esgotado, mas tinha um ingresso disponível, um só. Comprei.
Minha gente, foi bonito. Numa certa altura, Conceição disse ao microfone “benditas as mãos dos que tocam”. Ela se referia aos músicos que tocam instrumentos, mas tive vontade de gritar um amém. Eu tava tão tocada. Desde a hora em que Tiganá entrou no palco levando Conceição pelo braço. Simbólico esse acompanhar. Ela sentada em uma cadeira, de vestido branco e casaco vermelho, um caderno também vermelho na mesinha, uma jarra de água e um copo, os óculos, todo o conjunto posto em um tapete. Forrar um tapete pra convidada. Pode até ter uma explicação acústica, deve ter, mas a mim me pareceu uma honraria.
Chorei o show inteiro. Um choro novo que ando experimentando ultimamente. É sutil, porque não vem com barulho nem careta, mas é também firme, porque não estaciona, porque produz muita água, de molhar a camisa, sabe? Fico pensando no suor da Yoga, talvez eles sejam da mesma natureza. No sábado, antes da chuva, eu fui na prática. Há meses, negocio comigo uma postura que me produz um medo infantil. Na primeira etapa da postura sinto como se o mundo fosse colapsar. Permanecer ali, pelos poucos segundos em que permaneço, é um desafio cortante. Passei a semana a me perguntar o porquê da sensação. Aí que quando o medo ficou quase insustentável, eu tive uma iluminaçãozinha. Pensei que esse era o maior medo que eu já senti e, se era o maior, não havia espaço pra aumentar. Avancei na postura e chorei o choro de rio misturado com o suor de mar. Foi tanta água, tanta água.
As horas seguiram molhadas. Terminei Cangaço Novo (Amazon Prime) e chorei de dor e de amor, escutei a gravação de Alice Carvalho (a Dinorah de Cangaço Novo) de Espumas ao Vento no repeat e chorei de sotaque e de saudade, encontrei minhas filhas no almoço e chorei de encanto e esperança. Até o bis do show. Tiganá dançou lindamente. Corpo solto, desejante . Conceição e ele giraram no palco, balançaram vestido, camisa e casaco vermelho. Fizeram vento. Eles ar e eu água. Benditos.