Da cabine do banheiro, ouvi o seguinte diálogo:
– Não encosta, não encosta. Ah, já começou o xixi? Não te falei que a vovó não gosta quando você encosta?
– Eu não sentei, tô em pé, vê.
– Uau! Como você consegue se equilibrar?
– É que eu sou uma fada, lembra?
Reencontrei a dupla lavando as mãos. A menina de uns cinco anos dava à avó mais provas de sua condição mágica. Dizia que podia voar, mas só um pouco, porque não estava com muita vontade hoje. E demonstrava o ponto dando pulinhos.
Uma cena querida, do ponto de vista das saídas da neta. Mas complicada, do ponto de vista dos argumentos da avó. Me refiro ao “você sabe que a vovó não gosta”. Havia cuidado com a saúde da menina, claro. Havia gentileza no elogio ao equilíbrio, havia doçura na atenção que deu ao voo. Mas havia também um recado confuso e um tantinho perigoso. Qual é a importância de não sentar no vaso de um banheiro público? Na primeira camada, o banheiro pode estar sujo, e essa sujeira pode levar de uma irritação da pele a uma infecção. Numa segunda camada, é preciso ensinar às crianças a cuidar do corpo, a cuidar de si e, ao mesmo tempo, a se virar seja qual for o ambiente. Portanto o que a avó quer dizer é: não faça isso porque não é bom pra você. No entanto, ela diz: não faça porque eu não gosto.
O efeito é muito parecido com a cena da criança no colo do adulto responsável se preparando para tomar vacina. A criança chora com medo e o adulto diz que ela pare, se não a enfermeira vai brigar. Ou quando a criança não faz a lição e o argumento é o de que é melhor fazer se não a professora vai ficar triste. Pra começar, anula-se o sentir do outro. Se chora porque se sabe da dor. Ou pior, porque se imagina uma dor ainda maior. Talvez não se faça a lição por uma falta de entendimento, ou de estímulo. Não sei, mas justamente porque não sabemos, podemos (devemos) perguntar, acolher. Depois, perde-se a oportunidade de ensinar o que precisa ser aprendido. E, por fim, cria-se uma hierarquia de importância. A avó, a enfermeira e a professora importam mais. Ninguém importa mais. Criança não é meio humano. Aqui vai meu beijo para a avó que estava ali na boa vontade, tentando, que deve ter crescido num tom ainda mais tortinho. Meu beijo para a fada que, na minha fantasia, equilibrou o aprendizado nos próprios termos. Meu beijo pra vocês e um convite: bora prestar atenção aos recados, escolher as palavras mais exatinhas – não pode por isso, é bom por aquilo. Confiar em quem tá ouvindo (crianças ou não). A avó se enrolando pra uma menina que até voar já sabia. Vê! Boa semana, queridos.