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‘Mais quente do que o ano passado? Sim! Quanto? Depende da medida’; pesquisadores explicam aumento do calor no Acre e alertam sobre o futuro

Este verão, comentários sobre calor dominam muitas conversas. Sentimos o calor na pele e queremos saber como medi-lo para saber a sua severidade e poder prevê-lo no futuro. Aí a complicação começa. Pretendemos com este artigo explicar algumas das maneiras que a Ciência faz medidas de calor e usar algumas delas para responder à pergunta no título.

Usamos a temperatura como um indicador do calor que sentimos. A forma mais comum é usar graus Celsius, abreviado como oC, onde zero oC é a temperatura de uma mistura de água e gelo, e 100 oC quando a temperatura da água está borbulhando no fogão perto do nível do mar. Até aqui, tudo bem, mas queremos que a medida seja feita mais próxima da gente e não no fogão.

As temperaturas de estações meteorológicas fazem uma aproximação melhor. As medidas tipicamente são feitas a cerca de 2 metros de elevação numa caixa bem ventilada. Isso seria o padrão para medidas feitas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Vamos chamar isso de temperatura normal, porque temos várias formas de temperatura que são modificações dela. Alguns satélites podem medir a temperatura da superfície num certo horário que varia bastante desta definição – uma complicação para ser tratada em um outro artigo.

Sabemos que o calor que sentimos de 35 oC, por exemplo, depende se a umidade é baixa ou alta, se tem sol direto e a velocidade de vento. É muita carga para colocar nos ombros da temperatura normal, e incorporando estes outros fatores produzem um conjunto de medidas, como Índice de Calor, Sensação Térmica, Temperatura Aparente, Temperatura de Bulbo Úmido (Tbu), Temperatura de Bulbo Úmido Global (WBGT), entre outros. Cada um tem o seu papel, mas misturados podem gerar uma grande confusão.

Neste momento, vamos concentrar neste artigo no caso de temperaturas normais, de julho e agosto de 2022, e julho e agosto de 2023, na cidade de Rio Branco, para estimar o calor.  Porém, no futuro, vamos revisitar as outras medidas porque elas podem ajudar a medir a sensação de calor.

O primeiro desafio é determinar onde medir a temperatura da cidade de Rio Branco. As temperaturas variam pela cidade, por exemplo, no meio de uma rua ao meio-dia e até no centro de um fragmento de bosque na cidade às 5 da manhã.  O que podemos fazer é usar estações existentes para comparar a diferença entre os anos. Existe a estação convencional do Inmet, no campus da Ufac, que seria ideal, mas existem problemas de continuidade de medidas.  Nos últimos anos, estações meteorológicas pessoais ficaram populares e temos pelos menos três na cidade, duas perto do centro e uma no Tucumã.   Vamos usar a média destas três estações para ter uma ideia da evolução recente da temperatura na cidade de Rio Branco. Decidimos não incluir as temperaturas medidas no Aeroporto porque elas vêm de uma área rural do município; porém, elas tiveram um comportamento parecido.

Os trópicos de toda a Terra (os oceanos e continentes entre latitudes 23 graus Norte e 23 graus Sul) estão agora com uma temperatura média mais alta, desde o início desta série com dados satelitais, em 1979. A diferença em comparação com os outros anos ficou marcante a partir de 1 de julho[i] deste ano.  No dia 15 de agosto, por exemplo, a média para os trópicos foi 25,8 oC, quase 0,6 oC acima do valor no mesmo dia em 2022.  Parece pouco, mas a média envolve principalmente a temperatura acima dos oceanos, que fazem grande parte dos trópicos.  No interior dos continentes, como no caso da Amazônia Sul-ocidental, se espera uma diferença maior.

Vamos concentrar nas seguintes perguntas: Qual foi a diferença entre a temperatura média, máxima e mínima nos meses julho e agosto de 2022 e de 2023, na cidade de Rio Branco? Quantos dias do mês tivemos com temperatura acima de 34°C?

Para entendermos de quanto foi a diferença da temperatura, temos que falar sobre o processamento dos dados, e é necessário entendermos a qualidade dos dados. Os dados foram coletados de três estações que estão distribuídos em Rio Branco e que fazem coleta de dados meteorológicos de cinco em cinco minutos (links no final da página). Em seguida, foi realizado uma análise exploratória dos dados, a fim de encontrar valores errôneos ou em falta e avaliar os seus efeitos nos resultados.

As medidas das três estações indicaram temperaturas médias com uma diferença de apenas 0,5°C para os julhos de 2022 e de 2023, igual a diferença entre as temperaturas médias máximas de 0,5 °C (ver tabela no fim do artigo).

Para os meses de agosto de 2022 e agosto de 2023, porém, a diferença das temperaturas médias subiu para 1,8 °C, mais de três vezes da dos julhos, e a diferença entre e as temperaturas médias máximas foi muito grande, 3,2°C (ver tabela no fim do artigo).

Então, este agosto realmente chegou para queimar, em comparação a agosto do ano anterior, com uma diferença entre as médias das temperaturas máximas diárias de mais de 3oC. Uma outra pergunta envolve ondas de calor: houve um aumento em termos de dias com temperaturas máximas altas? Sim e muito. Agosto de 2022 teve 11 dias com temperaturas acima de 34 oC, enquanto agosto de 2023 teve mais do que o dobro, 23 dias.

O impacto de temperaturas mais altas não é somente em seres humanos, especialmente idosos e crianças[ii], mas também em todos os agrossistemas e ecossistemas da região.  A fotossíntese, seja de soja, grama ou florestas, é a base de funcionamento da biosfera e pode ser afetada adversamente pelo aumento de calor[iii].   Agropecuária, psicultura, florestas, rios e lagos também podem sofrer com estas altas temperaturas.

O que causou esta onda de calor em agosto?  Temos indicações de pelo menos cinco fatores envolvidos: 1) El Niño; 2) aumento de gases de efeito estufa; 3) a explosão vulcânica de Tonga; 4) redução de aerossóis no ar; e 5) variação solar. [iv]  Com mais pesquisas nos próximos meses, vamos poder estimar melhor a contribuição relativa de cada fator para a onda de calor atual.

Mas a tendência das últimas décadas tem mostrado que o acúmulo de gases de efeito estufa causado pelas atividades humanas é responsável para o aumento decadal da temperatura global e que não tem sinais de melhoria[v].  Atualmente, as atividades humanas liberam cerca de 40 bilhões de toneladas de gás carbônico no ar a cada ano, o equivalente a 5 toneladas por ano por ser humano no planeta[vi].  Apesar de muitas discussões nos níveis internacionais e nacionais, estas emissões têm aumentado e não diminuído na última década.

A média da temperatura do mês de agosto deste ano foi 28,8 °C.  Se isso ocorrer durante o ano inteiro, seria igual a poucos lugares no mundo atualmente.  Mas temos indicações de que em 50 anos, se não mudarmos a nossa trajetória, uma grande parte da Amazônia teria uma temperatura anual média acima deste valor [vii].

Se não adaptarmos a estas mudanças em marcha e mitigarmos os fatores causadores, o futuro vai se esquentar e vamos ter saudade das temperaturas de agosto de 2023, em Rio Branco.

_________________

Rodrigo da Gama de Santana, Mestrando em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais. Universidade Federal do Acre (Ufac).

Foster Brown, Cientista do Centro de Pesquisa em Clima Woodwell, Docente da Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Ufac.

Agradecimentos ao Dr. Roberto Feres, a Família Ferraz e Dra. Vera Reis Brown por terem coletado os dados usados neste artigo nas suas estações meteorológicas pessoais.

 

Tabela 1 – Comparação de temperatura dos meses julho 2022 e julho 2023, média das três estações.

 

 

Mês

Média da Temperatura Média da Temperatura mínima diária Média da Temperatura máxima diária
Julho 2022 27°C 22,3°C 33,3°C
Julho 2023 27,5°C 22,5°C 33,8°C
Diferença 0,5°C 0,2°C 0,5°C

 

Mês Média da Temperatura Média da Temperatura mínima diária Média da Temperatura máxima diária
Agosto 2022 27°C 22,5°C 32,5°C
Agosto 2023 28,8°C 23,5°C 35,7°C
Diferença 1,8°C 0,9°C 3,2°C

Tabela 2 – Comparação de temperatura dos meses de agosto de 2022 e agosto de 2023, média das três estações.

Fonte dos dados:

https://ambientweather.net/dashboard/07410eada39f1eff36d8f0943e1a51d9/tiles

https://ambientweather.net/dashboard/6c0eeeb7e03bdfa0e189a8a6c3d13bfe/tiles

https://ambientweather.net/dashboard/d0057854a733d0d40ed2f17caef7237a/tiles

[i] https://climatereanalyzer.org/clim/t2_daily/?dm_id=tropics. Acesso: 21set23.

[ii] Carnes et al. Impact of Climate Change on Elder Health, The Journals of Gerontology: Series A, Volume 69, Issue 9, September 2014, Pages 1087–1091, https://doi.org/10.1093/gerona/glt159; Helldén, et al. “Climate change and child health: a scoping review and an expanded conceptual framework”. The Lancet Planetary Health 5, no 3 (1o de março de 2021): e164–75. https://doi.org/10.1016/S2542-5196(20)30274-6.

[iii] Moore et al. The effect of increasing temperature on crop photosynthesis: from enzymes to ecosystems, Journal of Experimental Botany, Volume 72, Issue 8, 2 April 2021, Pages 2822–2844, https://doi.org/10.1093/jxb/erab090;   Sullivan et al. Long-term thermal sensitivity of Earth’s tropical forests.Science 368,869-874(2020).DOI:10.1126/science.aaw7578

[iv]https://theconversation.com/july-was-earths-hottest-month-on-record-4-factors-driving-2023s-extreme-heat-and-climate-disasters-209975. Acesso: 21set23; https://www.columbia.edu/~jeh1/mailings/2023/FlyingBlind.14September2023.pdf. Acesso: 21set23.

[v] https://www.nsstc.uah.edu/climate/. Acesso: 21set23; https://www.ncei.noaa.gov/access/monitoring/monthly-report/global/202308#temp. Acesso: 21set23.

[vi]  https://ourworldindata.org/co2-emissions. Acesso: 21set23.

[vii] Xu et al. (2020). Future of the human climate niche. Proceedings of the National Academy of Sciences117(21), 11350-11355.

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