Em um consultório de psicanálise quase tudo gira em torno dos relacionamentos, sejam os do presente ou os do passado, os familiares, os conjugais, os do trabalho, os de amizade. Deles todos, aparecem, pelo menos uma vez por dia, os que se iniciam em aplicativos de relacionamento. E digo relacionamento porque qualquer encontro – ainda que não seja encontro físico, ainda que seja uma troca de mensagem – configura relacionamento. Movimentar-se por/com um outro, ser movimentado por/com um outro é um relacionar-se. Confesso que amo ouvir esses relatos.
Estou acompanhando um em especial que trago pra vocês (sob autorização do analisando e com alguns detalhes modificados para preservar a identidade dos envolvidos, claro). Ele, engenheiro quarenta e tantos, usuário antigo do aplicativo. Ela, florista, quarenta e poucos, usuária há uns seis meses. Ambos soltinhos na vida, desejosos de estar com gente, com muita gente, obedientes ao próprio desejo. Clicaram um no outro neste tom. Atraídos pelas fotos e pela possibilidade de uma sexta-feira boa. Só. Ocorre que clicaram quando ela estava fora, viajando a trabalho, deixaram pra sexta seguinte. E aí lembra de Eduardo e Mônica? “E mesmo com tudo diferente, veio meio de repente uma vontade de ser ver. E os dois se encontravam todo dia e a vontade crescia como tinha de ser.” Era tudo diferente. Não entre os dois, são parecidos até, era diferente no sentido de que não estavam pra muita conversa pra muita construção de expectativa. Mas sim, se encontraram todo dia na conversa do whatsapp, e foi conversa, viu? Conversa larga e profunda, todo dia, o dia todo. A segunda sexta-feira, a que eles poderiam encontrar de verdade, chegou com um teste positivo de COVID do lado dele. Precisaram adiar. De novo. E a vontade crescia, como tinha de ser. A terceira sexta-feira chegou com um novo positivo, o da mãe do filho dele. A criança repetiu a semana da guarda compartilhada com Eduardo, Mônica contou depois que chegou a sentir uma dor física de saudade. Saudades de alguém que nunca tinha visto na vida.
Poderíamos falar de projeção. Daquilo que é o cimento e o tijolo de qualquer apaixonamento. O apaixonar-se pelo que criei do outro, ou ainda o apaixonar-se pelo que o outro criou de mim. Mas o que me interessa mais nessa história é o desejo frustrado de controle do que a gente sente e talvez mais ainda do que a gente quer. Ouvi um tanto de vezes do Eduardo em questão o “não quero me envolver” enquanto o via absolutamente envolvido com esse acordo interno do não envolvimento. Ouvi ainda um “não cabe nesse momento da minha vida me esforçar por nenhum relacionamento” enquanto ele se esforçava com muita força para não ter vontade de se relacionar. Uma fuga maluca de estar inteiro. Já vão seis meses que uma sexta-feira possível finalmente chegou. Seguem no todo dia, seguem na vontade crescente. Seguem também no “não posso me envolver, não quero me esforçar”. Sabe quando você está no meio da tempestade, molhado até a meia, mas não solta o guarda-chuva por nada? Mais ou menos isso. E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? Boa semana, queridos.