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‘O vovô te perdoa’, diz idoso que pulou quatro andares para se salvar de incêndio em MG atribuído a neta de 11 anos

“Sou como um pai para ela. Ela é meu xodó”, diz avô, cujo nome será preservado para não identificar criança suspeita de ter ateado fogo a apartamento em Patos de Minas (MG), no último sábado. Ele, de 70 anos, e a mulher de 52 tiveram que pular do quarto andar do prédio — cerca de 12 metros de altura — para escapar das chamas que começaram enquanto o casal dormia e que destruíram completamente o imóvel no condomínio Morada das Palmeiras, no bairro Ipanema. Saiu sem um arranhão, mas a esposa está internada para uma cirurgia nas pernas porque, ao saltar, quebrou dois dedos de um pé e o tornozelo. Evangélico, ele vê milagre em terem escapado com vida: “Arrisquei porque se ficasse morreríamos queimados”.

Especializado em “chapa” — trabalhador que abastece e desabastece caminhões de carga —, ele conta que, junto da mulher, cria a neta para ajudar a filha, separada do pai da criança, e que trabalha fora. Ele contou ao GLOBO que a menina começou a apresentar sinais de um comportamento que a família considerava fora do normal desde muito cedo. “Com um ano e meio, ela pegou cocô e saiu espalhando na própria roupa, na televisão, na cama. Isso não era normal”, recorda-se. O avô lembra que, na época, a menina já usava o vaso sanitário.

— Depois, aos seis, sete anos, fugiu de casa e só foi encontrada na casa do padrinho cinco bairros daqui de casa. Ela oscila, às vezes tá muito calada, outras horas muito falante, às vezes triste, outras muita alegre. Ela toma medicação para controlar (os sintomas) desde muito pequena, mas não tem cura, infelizmente”.

Desde que tudo aconteceu, ele falou pouco com a neta. Sem ter onde morar, foi para a casa da filha, que se desdobra em cuidados com a mãe que está internada no Hospital Regional Antônio Dias. As consequências do incidente foram desastrosas tanto do ponto de vista material quanto emocional, não só pela preocupação que cresceu sobre a menina, mas também que ele chama de “tribunal da internet”. O avô diz que ele próprio não pode afirmar com certeza que foi a neta a responsável pelo incêndio que começou pelo sofá da sala. “Eu não vi, estava dormindo”, diz. Assim como ele não viu, observa, que qualquer outra pessoa que responsabilize a criança está sendo precipitada porque também não presenciou a situação. “Na internet, tem 36 milhões de pessoas massacrando minha neta, e ninguém para ajudar”, desabafa.

Em seu relato, ele conta que, apesar dos problemas inerentes à criação da menina, tiveram dias felizes na semana anterior ao incêndio, quando passaram quatro dias em Porto de Galinhas, em Pernambuco, destino que ele e a mulher sonhavam conhecer. Para a viagem, o casal alugou um carro e partiu acompanhado da filha, a neta e um amigo. Foram dias, de acordo com ele, sem preocupações e de muita diversão. A neta, que diz ser seu xodó, é descrita por ele como uma menina muito inteligente e carinhosa. O estopim para o que aconteceu teria ocorrido uma semana antes da viagem. Adventistas do Sétimo Dia, eles se assustaram ao descobrir que a criança usava o celular para pesquisar sobre magia negra e bruxaria e trocar mensagens com um amigo sobre o tema. A avó deixava que a menina usasse o celular, desde que ela tivesse a senha, e foi assim que descobriu o acesso dela a conteúdo inadequados para a idade.

Momento em que avós saltam do apartamento — Foto: Reprodução
Momento em que avós saltam do apartamento — Foto: Reprodução

Nos primeiros dias da proibição de usar o celular, a criança parecia inconformada, mas logo, segundo o avô, foi se acalmando e aceitando a situação. As horas anteriores ao dia da volta da viagem, pouco antes do início do incêndio, são repassadas por ele e pela mulher incansavelmente. Hospitalizada, a esposa demonstra um alto grau de estresse pós-traumático e afirma que não conseguirá retornar para o antigo endereço, o apartamento comprado por meio de um financiamento. “Sou autônomo, às vezes, tenho trabalho, às vezes não tenho. Principalmente nesta época do ano, as coisas ficam mais difíceis”.

— Chegamos (da viagem) às cinco horas da manhã. Eu estava cansado, não tinha dormido nada. Mas, como de hábito, eu fui estudar a palavra na Bíblia, como faço todo sábado de manhã. Depois, por volta das três da tarde, depois de almoçar, fui deitar. Minha mulher já estava dormindo. Cansado, eu peguei logo no sono. Uma hora depois, não vou saber precisar, acordei sentindo cheiro de fumaça entrando pelo quarto e algo estalando, barulho de fogo queimando material. Pensei: “está pegando fogo dentro de casa”. Tentei abrir a porta mas estava trancada por fora, eu não tinha como abrir de dentro para fora — relata.

Avós pulam do 4º andar para escapar de incêndio iniciado pela neta, em Minas

A mulher, conta ele, estava preocupada porque imaginava que o fogo já tinha se alastrado pelo restante do imóvel e que a neta estaria morta. Antes de adormecer, ela tinha negado um pedido da menina que queria o celular da avó emprestado, que se recusou a dar o aparelho e a menina avisou que ia andar de patins no play. E se ela tivesse voltado e ficado presa nas chamas?, preocupavam-se. A preocupação virou pânico. Desesperado, o avô usou uma furadeira para tentar abrir a porta, mas o equipamento, ao ser forçado, entrou em curto-circuito. Depois, pegou um martelo numa bolsa de ferramentas que tinha dentro do quarto, mas também não conseguiu fazer buracos em volta da maçaneta para tentar abrir a porta. Abriu apenas um pequeno buraco, mas por ele o que entrou foi mais fumaça, tornando o ar irrespirável.

O interior do apartamento virou pó: fogo se alastrou muito rápido e casal teve que pular do quarto andar, em Patos de Minas (MG) — Foto: Reprodução
O interior do apartamento virou pó: fogo se alastrou muito rápido e casal teve que pular do quarto andar, em Patos de Minas (MG) — Foto: Reprodução

— Eu falei para a minha mulher, que estava muito nervosa com a netinha, não temos condição de ir lá fora. Ou nós pulamos ou morreremos asfixiados. É melhor a gente tentar pular. De qualquer maneira, vamos morrer. Minha nega, pelo menos, vamos morrer tentando — conta.

Da janela, ele via vizinhos, moradores do bairro e transeuntes se amontoando em frente ao prédio. Mas o casal ainda teria que vencer outro obstáculo antes de arriscar um salto: a janela tinha uma grade de proteção, que ele pôde cortar graças a um canivete que leva no bolso. Passado o susto, ele agradece em orações ao Espírito Santo e até os curiosos que pararam para olhar o que tinha tudo para acabar em tragédia:

— Toda a honra e glória pertence a Deus. Nessas horas, até o curioso ajuda porque ele dá coragem aos outros para agir. O Espírito Santo já tinha me falado: pula e confia. Eu gritei para um colega pegar um colchão e colocar no chão para amortecer a queda. Assim que ele trouxe, outros moradores, não sei quantos, pegaram mais colchões. Segurei minha mulher pelo braço e mirei bem para ela cair sobre eles porque se ela esbarrasse nos batentes dos andares debaixo ia morrer.

Sobre a neta, ele disse que conversou com ela muito rapidamente depois do ocorrido, mas que não quis se aprofundar no assunto para não aumentar o sofrimento dela. “Eu só disse que ela não tem culpa de nada, falei: ‘o vovô te perdoa'”.

— Ela toma remédio há muitos anos para controlar a doença. É muito querida. Há problemas pontuais. Na escola, às vezes, ela fica agressiva e vai para a secretaria, mas eles já sabem do caso. Os professores a elogiam muito, dizem que ela é muito inteligente. De fato é mesmo, gosta de artes, desenha muito bem. Aquele trem (o celular) vai fuçando a mente da pessoa e leva a fazer esse tipo de coisa. A gente gostava que ela visse desenhos bíblicos, mas ela acabou entrando nesses sites de magia negra. Mesmo assim, não posso afirmar que ela fez (o fogo que desencadeou o incêndio) porque não vi. Eu, como avô, não acredito que ela tenha feito isso. Mas, se fez, está perdoada — diz o avô que tem outro filho e mais três netos.

Antes de os bombeiros chegarem, moradores fizeram uma "cama" de colchões para que casal pudesse pular — Foto: Reprodução
Antes de os bombeiros chegarem, moradores fizeram uma “cama” de colchões para que casal pudesse pular — Foto: Reprodução

De acordo com o avô, a menina está sob acompanhamento de psicólogos e se calou sobre o episódio, nem confirma ter feito, nem nega. O Conselho Tutelar de Patos de Minas está acompanhando o caso e a Polícia Civil investiga o incêndio.

Moradores do Moradas da Palmeira, sensibilizados com a destruição do apartamento de 45 metros quadrados e a perda de todos os móveis e eletrodomésticos, estão fazendo uma vaquinha para ajudar o casal. A família também pode receber doações pelo PIX (estivapatense@gmail.com). O fogo também atingiu o hall do quarto andar e o teto de outros andares, mas não há risco estrutural para o prédio. Apesar disso, o síndico do condomínio Abner dos Santos explica que os condôminos terão que arcar com os custos porque a seguradora alega ter se tratado de um incêndio intencional. Ainda não se sabe como foi ateado o fogo, que se alastrou muito rapidamente. Geladeira, micro-ondas, moveis planejados, banheiro, portas, tudo foi queimado.

— Eu só encontrei cinzas, destroços — resume o avô que acompanha as perícias que estão sendo realizadas no local.

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