O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, solicitando à Justiça Federal que determine à União, ao estado do Acre, e ao município de Rio Branco que instituam comissões técnicas para mapear, analisar e promover a mudança nas nomenclaturas de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza que homenageiem agentes públicos ou particulares que notoriamente tiveram comprometimento, direto ou indireto, com a prática de graves violações durante o regime civil-militar. A solicitação do MPF tem o objetivo de promover medidas ligadas à Justiça de Transição, em especial aquelas em defesa da verdade e da preservação da memória.
O procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, responsável pela ação, afirma que a história do Acre, assim como a de outros estados da Região Norte, é ilustrada por perseguições políticas, violências, ameaças e mortes perpetradas pelo regime civil-militar, em especial contra trabalhadores rurais e extrativistas acreanos resistentes ao modelo desenvolvimentista que o governo militar tentava implantar, baseado na narrativa de uma Amazônia concebida como uma massa florestal inabitada, a ser ocupada, colonizada e desenvolvida.
A pressão estatal exercida contra esses agentes da sociedade civil, considerados empecilhos para o “progresso” na região, causou uma mudança brusca no modo de vida dos acreanos, devido aos fluxos migratórios compulsórios e à constante sensação de medo ocasionada pela violência. E tudo isso com a anuência de autoridades locais, seja do próprio governo estadual, a partir de delegados de polícia que, aliados aos fazendeiros, rejeitavam as queixas dos trabalhadores, que eram pressionados a abandonar suas áreas sem nada receber ou a fazer acordos desproporcionais; seja o próprio governo federal, que mantinha um regime ditatorial.
O MPF instaurou inquérito civil de ofício sobre o tema, após identificar diversas escolas estaduais, municipais, além estruturas da Universidade Federal do Acre (Ufac), que incidiam no tipo de homenagem investigada. No âmbito do inquérito, emitiu recomendação às secretarias estaduais e municipais, e à Ufac, para que fizessem alteração dos nomes encontrados. A Ufac cumpriu a recomendação e retirou as homenagens. No entanto, o governo do Acre e a prefeitura de Rio Branco até o momento mantêm as irregularidades.
No inquérito civil, o MPF foi auxiliado por comissão de docentes do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Ufac para fazer a compilação dessas homenagens no âmbito do estado do Acre.
Lucas Dias reforça que a alteração de nomes de bens públicos que homenageiam ditadores é uma das medidas a serem adotadas no âmbito da Justiça de Transição, bem como importante forma de reparação simbólica às vítimas e de promoção da memória, medidas que buscam garantir a não-repetição dos lamentáveis e criminosos eventos da época.
Do ponto de vista de precedentes jurídicos, o MPF apresenta jurisprudência do STJ sobre imprescritibilidade das reparações cíveis em ações decorrentes da ditadura militar. Apresenta ainda jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de natureza supralegal, em especial no julgamento de três casos em que o Brasil foi condenado. Eles dizem respeito ao dever de investigar e punir como forma de proteção a relevantes direitos humanos, bem como de garantir o direito à justiça e à verdade: “Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”)”, “Caso Vladimir Herzog vs Brasil” e “Caso Gabriel Sales Pimenta vs. Brasil”.
Pedidos da ação – Caso a Justiça acolha os pedidos do MPF, deverá ser determinado aos réus que, no prazo de 60 dias, instituam comissões técnicas compostas por historiadores e pesquisadores sobre a ditadura militar no estado do Acre para que mapeiem, analisem e promovam a mudança nos nomes de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, localizados no Acre, que homenageiem agentes públicos ou particulares que notoriamente tiveram comprometimento, direto ou indireto, com a prática de graves violações do regime civil-militar.
O MPF pede também que, no prazo de 180 dias, sejam realizadas as alterações de nomes de bens públicos localizados no estado, indicados pelas comissões técnicas, de forma a executar medidas de Justiça de Transição, em especial na defesa da verdade e na preservação da memória. O MPF solicita ainda a fixação de placas nos locais que expliquem a alteração do nome anterior e o contexto da Justiça de Transição.
Como medida final, no prazo de um ano, o MPF quer que seja elaborado e executado um Plano de Projeto Museológico destinado à instalação de um centro de memória em Rio Branco (AC), que deve contemplar um projeto de obras físicas e de espaço expositivo. O projeto também deve prever conteúdo pedagógico e de acervo, com efetiva participação de movimentos sociais, coletivos, familiares de mortos e desaparecidos, ex-presos políticos, organismos de direitos humanos, pesquisadores, universidades, centros acadêmicos de pesquisa e profissionais especializados (especialmente historiadores, antropólogos, arqueólogos e outros estudiosos da ditadura militar de 1964).