Em alusão ao Dia Nacional da Poesia, comemorado nesta terça-feira, 31 de outubro, o A Gazeta do Acre publica, ao longo da semana, versos de cinco autores locais como forma de homenagear os fazedores da sexta arte. A série começa com a poesia “Dos Sinais”, do multiartista Quilrio Farias.
Dos sinais
O sol ardia a qualquer hora naquela cidade que crescia, enchendo-se cada vez mais de buracos e de corpos velozes, cansados fugindo do meio-dia.
Correndo antes do sinal abrir e ele conseguir vender pelo menos uma das muitas garrafinhas de água que não bebia, parou no meio do asfalto derretido e notou
que sua sombra apagara.
Olhou o chão. As paredes. Olhou pelo vidro da janela fechada de um automóvel chique
que nada seu refletia.
Em uma violenta normalidade, se sentiu aos poucos afogado.
Brilhando e queimando vivo, enxergando tod s, mas ninguém o via.
Cada minuto que passava acreditava que cada vez mais sumia e sumia.
Mas a cidade, essa continuava.
Suada, apressada, estressada no ar-condicionado.
Descansando do almoço, tomando um banho com
a amante.
Viva e saudável em toda sua mesmíssima e moderna indiferença.
Sobre a poesia
Em entrevista a este diário, Quilrio Farias explicou que “Dos Sinais” nasceu durante suas introspecções pelos sinais de trânsito de Rio Branco. Como não dirige, ele se locomove sempre a pé, de ônibus ou transporte por aplicativo, o que lhe possibilita observar o que acontece ao seu redor.
“Quando o sinal para, eu estou sempre observando. Naquele olhar da vida, aquele momento de introspecção, que é um momento ótimo para a poesia, pelo menos para mim. ‘Dos Sinais’ veio justamente de uma observação que fiz de que a presença de pessoas nos sinais de trânsito está aumentando. Tem artistas de rua, pessoas vendendo ou pedindo dinheiro. Isso está aumentando muito e é um reflexo do que vem acontecendo com a nossa cidade”.
Sobre o poeta
Nascido em Porto Velho (RO), o filho de mãe e pai acreanos mora em Rio Branco desde a infância, vivida nos bairros Taquari e Seis de Agosto, no Segundo Distrito da cidade.
De acordo com o também ator e dramaturgo, os bairros onde viveu, na capital do Acre, foram importantes fontes de inspiração para sua literatura, registrada em três livros lançados de forma independente: “O Berro” (2017), “Marcas de Pés” (2018) e “Nascenças” (2021).
Quilrio é formado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre (Ufac), fez parte da Cia. Visse e Versa de Ação Cênica, ajudou a fundar o Grupo Beco e foi vocalista e principal letrista da saudosa banda de rock Nicles, que possui um álbum de estúdio, intitulado Inútil Discurso Transcendental, lançado em 2009.