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Professora da Ufac fala sobre desafios de ter um corpo travesti no universo acadêmico

Zima Nzinga tem 25 anos e leciona no curso de Letras da Universidade Federal do Acre (Ufac) (Foto: Allen Ferraz Lins)

Aos 25 anos, a jovem Zima Nzinga, que se identifica como travesti, trabalha como docente substituta no Centro de Educação Letras e Artes da Universidade Federal do Acre (Ufac). Ela contraria as estatísticas sobre pessoas transexuais e travestis no Brasil, que, muitas vezes, têm seus direitos negados e encontram diversas barreiras e violências em vários âmbitos da vida social, como no mercado de trabalho.

Lecionando as disciplinas de Latim, Linguística Histórica, Língua Portuguesa e Português Instrumental, Zima é professora da Ufac desde 2022, ano que fez a sua transição de nome e gênero. Ela conta sobre a experiência de se ter um corpo travesti dentro do universo acadêmico.

“A minha experiência enquanto professora travesti tem me permitido recriar imaginários de corpos como o meu. Frequentemente, somos associadas à prostituição. Como travesti negra, protagonizar a intelectualidade dentro da sala de aula tem sido um desafio, e, ao mesmo tempo que estou contrariando as estatísticas, também sou desafiada por uma minoria de alunos, por meio de falas e olhares que mostram a transfobia enraizada na nossa sociedade”, afirma.

A ligação frequente com a prostituição reflete a falta de oportunidade que mulheres trans e travestis vivenciam no Brasil. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), por conta da dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, cerca de 90% dessa população têm a prostituição como única fonte de sobrevivência.

Bandeira Trans

“É necessário que existam políticas públicas que viabilizem outras possibilidades para a população travesti. E que a vida nas ruas pare de ser uma regra, da qual a maioria acaba sucumbindo, pois travesti não é sinônimo de prostituição, travesti é sinônimo de potência, força e ancestralidade viva”, ressalta Zima, que vive na pele a estigmatização social que o grupo sofre historicamente.

Além da falta de acesso ao mercado de trabalho, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, sendo a idade média das vítimas de apenas 27 anos. Em 2022, ao menos 131 pessoas trans e travestis foram assassinadas no país, fazendo com que sejamos a nação com mais mortes desta comunidade no mundo pelo 14º ano consecutivo, segundo o dossiê “Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras”, da Antra.

(Foto: Allen Ferraz Lins)

Para Zima, quebrar essa estatística e lecionar na Ufac, aos 25 anos, tem sido uma experiência significativa e desafiadora: “Transicionei dentro da academia e isso me exigiu muita resiliência, paciência e força. Tem significado muito ocupar esse espaço, mostrar que é possível chegar em determinados locais sendo quem sou e ser respeitada por minha trajetória dentro e fora da Universidade”.

Abrindo novos horizontes no mundo da educação, a professora diz que, de maneira geral, fica feliz com a receptividade dos alunos e colegas de profissão: “Acredito que quando emanamos respeito e compromisso tudo retorna para nós”.

Políticas públicas para trans e travestis

Neste ano, a deputada Duda Salabert (PDT-MG) foi autora do Projeto de Lei 960/23, que reserva 4% das vagas ofertadas por intermédio do Sistema Nacional de Empregos (Sine) para pessoas trans e travestis e também 4% para pessoas em situação de rua. Na proposta, a deputada destacou que o público alvo do projeto é excluído do mercado de trabalho formal e que até o momento, não existem políticas públicas, em âmbito nacional, que estimulem a empregabilidade dessas pessoas.

“Sem nenhum julgamento moral sobre o exercício da prostituição, esse grau de concentração ocorre pela ausência de oportunidades de trabalhos no setor formal, seja pelo preconceito direto que travestis e demais pessoas trans enfrentam, seja de forma indireta pela expulsão escolar que muitas dessas pessoas sofrem durante o período de escolarização”, afirma.

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Isabelle Freitas: